Vida: Modo de Usar

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lavie.jpgA Vida, Modo de Usar foi meu romance de férias. É um dos romances "experimentais" com que os franceses brincavam no século passado. Georges Perec, o autor, é uma daquelas figuras mitológicas da história da literatura, entre a genialidade e a insanidade.

São 500 páginas e 99 capítulos. O eixo de conexão das 99 histórias é um prédio em Paris - cada morador, cada apartamento, cada andar, cada objeto esquecido no elevador estragado ou nas escadarias é motivo para um conto.

Os contos, porém, não são bem contos, e sim longas descrições. Quase todos começam com um longa, detalhadíssima, exaustiva descrição do ambiente e dos detalhes das figurinhas esculpidas em latão na decoração do puxador do gaveteiro estilo Luís XIV, por exemplo. Mesmo as histórias de vida são contadas de forma fria, mais uma descrição do que um verdadeiro drama. Não há diálogos, e o narrador onisciente raramente demonstra alguma emoção.

Parece chatíssimo, mas Perec sabe balancear bem as coisas para tornar o livro interessante. A principal história é a de dois vizinhos, Bartlebooth e Winckler, que desenvolvem juntos uma longa brincadeira. O primeiro vai passar duas décadas viajando pelo mundo pintando aquarelas de crepúsculos, as quais serão remetidas ao segundo para serem transformadas em quebra-cabeças - dezenas de milhares de quebra-cabeças, cuja construção envolve um pensamento tão ou mais complexo que a construção do romance, e que Bartlebooth passará o resto da vida tentando montar.

O sentido do livro, pra mim, foi mostrar como as pessoas do século passado tinham vidas mais interessantes. A intenção de Perec (ou uma das intenções) aparentemente é mostrar que nenhuma vida é banal, que toda história de vida é um conto esperando pra ser descoberto. Mas, do mesmo modo que as descrições dos ambientes montam memórias de um tempo mais barroco, em que as coisas não eram padronizadas, em que cada detalhe tinha sua importância e significado, parece que ele está dizendo exatamente a mesma coisa quanto às pessoas da época. São criadores de quebra-cabeças, condessas que deram centenas de voltas ao mundo, malabaristas de circo, ladrões internacionais, exilados políticos, artistas, herdeiros de fortunas secretas. Parece um tempo em que as pessoas eram não só diferentes umas das outras, mas faziam questão de ressaltar suas excentricidades - ou simplesmente criativas, como se a vida em sociedade fosse uma brincadeira.

A Gabi ontem disse que meu horóscopo prevê para 2005 a redação da minha autobiografia ou hagiografia (tenho que descobrir onde ela lê horóscopos legais assim). Vou tentar tornar minha vida mais interessante.

2 Comments

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Talvez você não chegue a ler esse comentário por causa da data de seu post, porém, gostaria de fazer pequena retificação(ou o que penso ser uma retificação, talvez seja algo mais próximo de uma opinião sobre o livro).
Penso que você se engana sobre a intenção do autor sobre o livro. Diferentemente de simplesmente afirmar que "a intenção de Perec (ou uma das intenções) aparentemente é mostrar que nenhuma vida é banal, que toda história de vida é um conto esperando pra ser descoberto" poderíamos afirmar que a grande intenção dele é mostrar toda vida humana como uma série de intermináveis quebra-cabeças. Que não se faltam peças. E, onde cada uma, de forma absolutamente fragmentária se encaixa com outras para formar uma totalidade única talvez com forma ou totalmente disforme. Sendo a vida pequenos constructos que se juntarão aos poucos e sem talvez formar uma totalidade absoluta. Assim como a obra de Perec.
Obrigado e abraço.

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This page contains a single entry by Érico Assis published on desember 31, 2004 3:10 EH.

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