Não lembro qual foi o caminho que minha cabeça percorreu enquanto estava assistindo Capote, mas passei o filme pensando na briga entre realidade e ficção. Há quem defenda que esteja acontecendo um movimento de ?descrédito? à ficção (em todas as suas formas), reflexo de um apego exagerado ao ?real? e aos ?fatos?. O que explicaria a força dos reality shows e tudo em torno deles. Aliás, essas teorizações provavelmente surgiram dos estudos de reality shows.

Mas o que tem me incomodado realmente é o escarcéu que se faz em torno das ?fraudes? como as dos escritores J.T. Leroy e James N. Frey. O primeiro fez sucesso por ter uma vida conturbada ? um transsexual que vivia nas ruas e foi adotado por uma editora. Descobriu-se que na verdade era esta quem estava escrevendo os livros. O segundo revelou que ?embelezou? alguns fatos de seu livro Um Milhão de Pedacinhos, supostamente uma autobiografia de seu período como viciado em heroína.

Quando a mídia ? e os leitores - sobe em cima do Leroy chamando-o de mentiroso, está admitindo que só leu ou promoveu o livro por causa do status ?maldito? do escritor. Não interessa a qualidade da escrita, não interessa o livro em si. Se Frey queria usar sua experiência como um alerta contra o vício em heroína, e para isso encheu seu livro de cenas onde personagens injetam heroína pelos olhos, mesmo que não tenha testemunhado isso, a intenção se mantém.

Me parece que essa obsessão por realidade, por fatos duros e históricos, tem um efeito recursivo. As pessoas querem tanto o real que escrutinizam o que lhes é dado como fato ? o escritor é mesmo um sem-teto transsexual?, o carinha do BBB está encarnando um papel pra ganhar o prêmio?, qual é a do Tom Cruise com a Katie Holmes? ? até conseguir um novo fato, um ?real mais real? ? é tudo jogada de marketing. E mostram aí um certo horror à ficção (dá pra chamar de ?mentira? se não tem efeito algum sobre você? Um cara que atua no BBB é um mentiroso? O que interessa se o mundos dos viciados, no livro, é mais ou menos pesado?), pois criticam ferozmente tudo que não seja a Grande Verdade.

Lembrei do Capote. Tem uma cena logo no início em que o autor chega à escola da cidadezinha do Kansas pra tentar falar com amigos dos jovens da família assassinada. Ele se aproxima de uma garota, e ela corre para longe dele. Li em algum lugar que Capote é de certa forma culpado pelo jornalismo sensacionalista e intrometido que virou clichê na televisão ? legiões de microfone em punho atacando gente na rua para conseguir declarações. Porque se precisa buscar a Verdade.

Bom, são só piruetas que minha cabeça fica fazendo quando o filme é chato. Não espere muita lógica aí em cima.

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This page contains a single entry by Érico Assis published on mars 12, 2006 7:31 EH.

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