A coisa mais bizarra, mais idiota, mais infantil e mais engraçada do nosso mundinho contemporâneo são as reações às autobiografias falsas.
Já falei do James Frey aqui. Esta semana teve dois outros exemplos. Margaret B. Jones, uma autora norte-americana que escreveu uma "autobiografia" sobre sua vida pobre nas gangues de Los Angeles. Ela admitiu que foi tudo inventado.
Da matéria: "O selo Riverhead Books, do grupo Penguin, que publicou o livro, vai devolver através das livrarias o dinheiro das pessoas que compraram o livro e se sentiram lesadas, disse Margaret Ducksworth, porta-voz da editora."
As pessoas vão dizer o que exatamente? "Eu gostei muito do livro... mas vocês mentiram pra mim!"?
A outra história é a mais engraçada. A septuagenária Misha Defonseca admitiu que sua "autobiografia" sobre a infância como judia durante o Holocausto foi inventada. O livro conta que, depois que seus pais foram deportados da Polônia, ela foi adotada por lobos que a protegiam dos nazistas.
Lobos.
Aí os jornais publicam seus artigos destacando que "Defonseca não é nem judia".
Sou da teoria do Todd Solondz: o que você coloca no papel vira ficção. Quando você conta uma história, ela vira um drama muito maior do que o que outra pessoa pode ter percebido do mesmo fato. Nossas percepções são individuais, nossas narrativas são ainda mais individuais, e a leitura da audiência é outra coisa individual. Eu contar que passei a tarde numa sala preparando aula é tão ficção quanto dizer que passei a tarde tocando guitarra com a banda do Elvis em Marte.
O que interessa é como as narrativas nos comovem. Ponto. Se um livro (ou um filme, ou uma letra de música, ou uma história de pescador) é ou não "a verdade verdadeira" não devia ser critério para avaliar se ele é bom ou não. E muito menos motivo para pedir seu dinheiro de volta.