Você pensa que conhece a Europa pelos filmes, pelos livros, pelas fotos, pelos seus amigos que voltaram contando histórias, pelos jornais. Mas aí você chega lá, descobre que a tampinha do pote de iogurte deles não rasga e é aí que você entende tudo.
Sabe iogurte de bandeja? Com aquela capinha metálica que você tenta tirar com cuidado, mas ela sempre rasga ao invés de sair inteira, fazendo uma lambança de iogurte? Lá você pode puxar à vontade, porque ela tem uma película de plástico (acho) que não deixa ela rasgar. E posso estar sonhando, mas acho que o iogurte também não ficava colado.
Por que tampinha de iogurte é importante? Porque depois de 20 anos achando que sabia o que é Primeiro Mundo, e uns 10 dizendo que entendia “Estado de Bem-Estar Social”, “Neoliberalismo” e, enfim, “Europa”, vi essas coisas de perto e entendi o que elas fazem. E olha que estava lá só de turista, então não “vivi” apropriadamente o mundinho deles. Mas tentei.
Foi nossa lua de mel: quatro dias em Barcelona, quatro em Munique, dois em Amsterdam, dois em Bruxelas, cinco em Paris, quatro em Londres. Tudo documentado no Twitter e no Flickr. A gente recebeu avisos pra não fazer tantas cidades em tão poucos dias, e devíamos ter ouvido. É óbvio que valeu a pena, mas não recomendamos – principalmente se você tem tendência a fazer malas pesadas ou comprar coisas demais.
Barcelona é velha, no bom sentido, e tem uma mistura rica de gente diferente e arquitetura conflitante. A Sagrada Família me deixou com medo, medo sério de filme de terror com criancinha morta. Os museus e parques impressionam não só pelo conteúdo, mas pelo tamanho. Dá vontade de fazer outra viagem só pra ficar passeando em volta deles.
Munique é fria (pegamos -14), retinha e cheira a sociedade perfeita. Enquanto nos outros lugares a gente via avisos tipo “beware of pickpockets”, em Munique as pessoas deixam a bicicleta na rua sem cadeado. E eles não têm nada dos clichês de “chatos e fechados”.
Amsterdam parece uma piada com o resto da Europa. Enquanto as outras cidades têm os museus culturais, históricos, de Arte Contemporânea, Amsterdam tem os museus da vodka, do sexo e da maconha. Os prédios são tortos, as pessoas são coloridas e os canais são sujos. Foi a primeira cidade (dessa viagem) em que eu senti vontade de morar.
Bruxelas foi rapidinha, mas o que chamou atenção foi a diversidade cultural – foi onde a gente mais viu negros, árabes e asiáticos. Deve ter relação com ser capital da União Européia. Ah, e é uma espécie de paraíso culinário-cultural pra mim: eles são apaixonados por quadrinhos e fazem as melhores batatas fritas e chocolates do mundo.
Paris é o primeiro lugar onde você se sente na capital do planeta. Você encontra de novo tudo que viu nos outros lugares, e mais. Ou seja: é o ponto máximo, não tem como você pedir uma cidade com mais opções. Também é um destino mais consagrado, então tem mais multidões e mais confusão. Mas foi o outro lugar em que deu vontade de morar.
Achando que tínhamos visto tudo, chegamos em Londres e vimos a maior diversidade de arquiteturas, de roupas, de cabelos, de cores de pele, de idiomas, enfim, de gente e de espaços que já encontramos na vida. É possível que isso só exista lá mesmo: velhinhos com cara de Alan Moore, indianos cinzas e todos os extras do Skins juntos a cada metro quadrado da Oxford Street. Duas outras coisas: paraíso geek (fiz a festa em gibis e DVDs) e hipervigilância (entendi porque os escritores de lá são paranóicos quando vi esse adesivo no ônibus: "Just sit back and smile!").
Como eu falei no início, é inútil você ler essas descrições ou ver as fotos. Você tem que ir lá para entender.
A gente aprende as coisas por comparação, então digo que o principal aprendizado da viagem foi entender o que é Terceiro Mundo. Aqui não falta só dinheiro, falta também história e uma série de outras coisas que são decorrência de dinheiro e história. Aliás, o nosso “capitalismo” daqui é uma pálida imitação do que eles têm lá, onde o mercado livre não tem frescura e é mesmo de quem for mais esperto no marketing.
Faz uns tempos que li a Marjane Satrapi dizendo que você não pode pedir que uma sociedade seja “civilizada” se não houver comida para todos. Depois que você tem comida, depois que as crianças param de morrer por doenças banais, aí você começa a resolver educação, política, seguridade social, caminhar tranqüilo na rua, gente no metrô lendo livros grossos, arte e a tampinha do iogurte. Por mais que a gente tenha desigualdade social, soa como alienação reclamar da tampinha do iogurte no Brasil.
É óbvio que eles não são perfeitos. O atendente do hostal de Barcelona me explicou que alugar um apartamento lá é quase impossível e comprar é uma ficção, por conta da especulação que gerou toda essa crise econômica (que é mais feia por lá). Mas, putz, insegurança pra eles é achar que o cara do seu lado no bonde não pagou o ticket (que, em Munique e Amsterdam, só é cobrado se aparecer um fiscal, o que nunca vimos acontecer) e não está sendo um bom cidadão. Eles já estavam resolvendo nossos problemas sociais e políticos há 2000 anos. Pra eles, nós ainda somos pré-históricos.
- Na próxima viagem: levar menos roupa. Não interessa se é inverno. Não dá pra ficar carregando peso pra lá e pra cá, principalmente nos trens, e você ainda tem que encher meia mala de lembranças. Ah, e os hotéis em conta não têm elevador e as escadas não são feitas para seres humanos.
- Também: menos cidades. Seis cidades em 20 dias foi como fazer mudança duas vezes por semana.
- Você volta querendo comprar uma bicicleta. Ou pelo menos um Smart. Mas aí cai na real que é impraticável viver sem carro em qualquer cidade brasileira de média a mega. Que saco.
- Nunca ir à Itália. Os turistas italianos andam em bando, falam gritando e se metem na sua frente sem qualquer pudor ou noção de que estão atrapalhando. Já vivemos diariamente uma micro-experiência italiana em Chapecó, e é mais do que suficiente.
- Vou me sentir extremamente ridículo usando casacão no inverno daqui. Luvas, cachecol e touca eu nunca tinha usado mesmo, a primeira vez foi lá. Quando faz mais de 5 graus, é fácil encontrar parisienses de camiseta na rua.
- Próximo destino: a Islândia continua nos planos (antes que eles afundem), mas temos que conhecer os EUA. Só que vamos ter que nos casar de novo pra juntar grana.