Comendo Bichos / Bichos que Comem

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Gostei e não gostei de Eating Animals. Não gostei do que o Jonathan Safran Foer tentou me convencer, não gostei dos recursos de argumentação emocionais que ele usa para tentar convencer e não gostei principalmente de ter que esperar quatro anos por um livro dele e receber uma não-ficção aventurosa defensora dos bichinhos. (Gostei de uma coisa, que deixo para o final.) Mas não gostei, imagino, porque não sou público-alvo.

Em primeiro lugar, porque já sou vegetariano. Não como nenhum tipo de carne há quase 16 anos. Só não sou vegan porque não existe estrutura de serviços para vegans onde moro. Foi uma decisão de adolescente, talvez para encontrar identidade, mas que se baseia no simples fato de eu acreditar que carne não é necessária (e existe base científica para isso).

Foer diz algumas vezes que não quer convencer o leitor a virar vegetariano (ou vegan). Mas dá a entender que comer carne sustenta um círculo vicioso de crueldade com animais, experimentação genética de resultados imprevisíveis, epidemias de zoonoses (como a gripe aviária ou a gripe suína). E que, se a carne para alimentação do mundo fosse produzida da maneira correta, não haveria comida para todo mundo. Ou, no mínimo, seria muito cara - o ritmo de produção cruel das factory farms, de galinhas esmagados, perus sem estrutura óssea para caminhar e vacas esfoladas, é o que fez a carne ser uma das poucas coisas que baixou de preço nas últimas décadas.

Em segundo lugar, Eating Animals é dirigido aos norte-americanos, falando das fazendas de lá, dos hábitos de consumo de lá e da estrutura capitalista de excessos de lá. Não tenho ideia se os açougues brasileiros vendem carne produzida de forma melhor ou pior. Nem como é o resto do mundo (sei, bem por alto, que carne vermelha é bem cara na Inglaterra). Foer vê consequências planetárias na forma de produção e consumo de carne nos EUA, o que é compreensível. É o mesmo caso do aquecimento global: os excessos no uso de recursos não-renováveis são abismantes no primeiro mundo, se comparados ao que a maior parte do planeta consome – mas afetam o planeta inteiro.

O que me incomoda mesmo é a argumentação em cima do sofrimento dos animais. Foer descreve aquelas cenas de documentários do PETA, sangrentos, que circulam a internet, acontencedo diariamente nos grandes abatedouros dos EUA. De novo, não sou público-alvo: isso não me sensibiliza e não muda minha maneira de pensar. O texto enumera todos os argumentos e dados científicos para dizer que bichos sentem dor quase ou exatamente como seres humanos. Mas faltou um pouco mais para me convencer a virar defensor da causa.

Do que eu gostei: o argumento mais positivo e bem empregado que vejo no livro é um que ele já usa desde o início - a preocupação com o que você vai dar para seus filhos comerem. Do ponto de vista moral, lógico e evolutivo, é incontestável, não há pergunta mais séria que se possa fazer. E nisso Foer defende e educação vegan que está dando ao filho, com base em comprovação científica de que crianças (e até atletas) podem viver de dietas vegan.

A Natalie Portman pode ter virado ativista vegan depois de ler. Eu ainda tenho minhas dúvidas. Existe um círculo vicioso em torno da produção e consumo de carne, sim, mas ainda não tenho argumento forte para tentar convencer meus amigos a parar de comer bichos mortos.

P.S.: Só no fim do livro fui notar que o título tem duplo sentido.

2 Comments

Sobre esse assunto de alimentação, sofrimento dos animais e talecoisa, recomendo "The Omnivore Dilemma", do Michael Pollan. Sem ter lido o "Eating Animals", parece que tocam mais ou menos nas mesmas questões. Você já leu? Tô aqui sugerindo, mas vai ver...

Eu <3 o livro do Pollan, fiquei super obcecadinha da Estrela e perguntei pro meu irmão, zootecnista, sobre essa coisa toda. Ele me explicou um pouco sobre como a indústria de carne/leite/ovos funciona no Brasil. Mais ou menos a mesma coisa, mas acho que um pouquinho melhor que nos EUA.

Não li o Pollan, mas ele é muito citado pelo Foer. Em alguns aspectos, para discordar, pois o Pollan parece defender a possibilidade de comer carne, e o Foer não.

Mas, enfim, obrigado por reforçar a recomendação. Vou atrás!

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