2009 (2)

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Meu ano e o da Marcela começou na Plaça de Catalunya, com espumante em copos plásticos porque a polícia cercou todas as entradas e ninguém podia passar com garrafas (isso é a Europa). Chegou a meia noite, as pessoas fizeram barulhos felizes, mandamos SMS para nossas famílias dizendo que tínhamos chegado em 2009 antes e ninguém soltou fogos. Todos os ninguéns foram para casa e a gente voltou ao hotel para subir os quatro lances de escadas com degraus estreitos (isso é a Europa).

Um dia a gente resolveu que nunca ia conseguir comprar apartamento com os preços chapecolinos, vimos um legal para alugar e, na noite antes do caminhão de mudança, começamos a encaixotar as coisas, porque não sobrou tempo durante a semana (já chego na parte “tempo”). O ap novo é no centro do centro da cidade, fica a 3 quadras do trabalho da Marcela, eu só pego o carro para ir ao trabalho (que ainda é longe), e ganhei um escritório só para mim. O resto da casa é dela. Fiz a estante dos sonhos, com os autores em ordem alfabética.

De novo, comprei mais livros do que consegui ler. BEM mais. ABSURDAMENTE mais. Ainda lembro da época em que eu relia os gibis dez vezes (simplesmente porque não havia outros para comprar). Várias vezes durante o ano tentei cumprir um regime de leitura – começo três livros ao mesmo tempo, um capítulo de cada por dia -, mas sempre aparecia algo para atrapalhar. A quantidade de trabalho cresceu na mesma escala do departamento de aquisições. O lado bom é que teve muito trabalho legal.

Cheguei para a atendente de sempre na Livraria Cultura de Porto Alegre e brinquei que ela devia procurar meu nome no catálogo. “Escreveu um livro, Érico?”. “Ahm... não, ainda não.”. Mas está lá – como tradutor. Em duas graphic novels muito boas (que, felizmente, estão vendendo e sendo comentadas muito bem) e em dois livros para crianças. Milhões de agradecimentos ao André, meu editor na Companhia das Letras, que me entregou os trabalhos após anos de encheção de saco e ainda cobre toda e qualquer imperfeição que eu deixe nos textos. Graças a ele, se eu for mau tradutor, ninguém vai descobrir. Mas só vou chamar isso de carreira quando recusar um trabalho.

Fiz orientação de carreira. Mais para organizar meus horários. Dicas valiosas, que ainda não consegui colocar totalmente em prática. Tive algumas crises existenciais relacionadas a trabalho, porque de um lado (tudo que faço em casa) eu gosto muito do que faço e recebo massagens no ego constantes (descoberta massagística do ano: o Twitter) e do outro (tudo que tenho que sair de casa para fazer) gosto cada vez menos mas tenho o salário indispensável. Aliás, de tanto ficar em casa estou meio agorafóbico. Ou meio Larry David, não sei.

(Twitter: você pergunta uma coisa para o Neil Gaiman e ele te responde. Duas vezes.)

Mesmo tendo conhecido (rapidamente) o Primeiro Mundo e entendido, por oposição, o que é “jeitinho”, ando meio descrente na humanidade. Já mencionei no post abaixo o livro de terror, que ainda me dá calafrios. Tive uns probleminhas com amigos no final do ano que elevaram essa descrença, fora outras leituras, documentários, conversas etc. Estou fora de sincronia com todo mundo, mais do que já era, preocupado por finalmente entender o que quer dizer “sociedade inimiga de si mesmo“. Estado de preocupação atual: o problema do mundo é ter gente.

Vou assumir um emprego que encaro como teste definitivo da possibilidade de viver em sociedade. Medo de chegar à insanidade antes de completar seis meses. Não, três. Este ano foram nove disciplinas de novo. Em pelo menos três me senti inútil. O ambiente não tem ajudado em nada. Mas assim mesmo, por pressão, vou pra esse cargo aqui. É o teste.

Mais gordo do que nunca, acho. Do tamanho do David Brent, por aí.

Voltei a fazer francês. Fui na Shakespeare & Co. e deixei um livro, ao invés de comprar um (tá, também comprei um). Fui no Festival Internacional de Quadrinhos e descobri mais gente que sabe o que é o Omelete do que eu imaginava que existia (algumas inclusive gostam, e sabem me diferenciar do Érico Borgo). Publiquei um texto num gibi, publiquei um texto ficcional, publiquei um texto numa revista e escrevi um texto bem longo, revisado dezessete vezes após terminar, para outra revista sobre o qual estou me segurando para não contar para todo mundo (e que a tal revista talvez tire da geladeira em breve).

Queria ter ficado em Amsterdam. Podia ter ficado em Paris. Londres eu queria visitar mais vezes. Bruxelas é sensacional, Munique mais. Mas Amsterdam – não fumo nem cheiro nada, não é isso – tinha alguma coisa dizendo “more aqui”. Tem também os vários sinais que me apontam para a Islândia (um teste online que me mandou morar lá, notícias do país que caem na minha frente, traduzir gibis que se passam lá, a paixão pelo Sigur Rós), que ainda não conheci. O objetivo, porém, é passar o fim de 2010 em outro lugar, que não vou contar aqui para não parecer promessa.

Resumindo: olá, crise dos trinta.

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Essa do problema do mundo ser as pessoas eu já comentava com vcs desde muito antes dos 30. :P Mas a parte boa dos 30, tu vais descobrir, é que um monte de coisas que pareciam terrivelmente assustadoras nos 20 parecem mais... naturais. Ao menos um pouco. :)

na virada de 2010 vou esperar a tua foto com o anão de jardim em algum lugar. :D

Feliz 2010!

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This page contains a single entry by Érico Assis published on janúar 10, 2010 2:03 EH.

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