Sobre doação de órgãos e outras histórias


- Na primeira vez em que ouvi falar de doação de órgãos ainda era bem piá. Lembro que a minha primeira reação foi algo como "yew!!" ao imaginar alguém vivendo com algo de dentro de mim. Antipatizei com a idéia, imediatamente descartando-a, sem jamais considerar suas implicações. Algum tempo depois, ainda piá, li um artigo que me marcou profundamente. Era a história de uma menina que estava muito doente e que precisava de um transplante. A menina tinha mais ou menos a minha idade na época. E havia se tornado uma árdua defensora dos transplantes querendo, ela mesma, ser doadora quando morresse. Fiquei profundamente tocada com o heroísmo da menina que, realmente morrera, mas conseguira doar as córneas para que alguém continuasse a ver pelos seus olhos. A menina era uma heroína. E eu também queria ser. Nunca mais pensei nisso, embora a idéia de ser doadora estivesse firmemente enraizada na minha cabeça. Cheguei a escrever bilhetes que levava na carteira dizendo que, se eu morresse, todos os meus órgãos deveriam ser doados. Anos mais tarde, deparei-me com a história (e a amizade) do Dado. E novamente o problema dos transplantes emergiu na minha cabeça. Eu sabia que a maioria das pessoas não quer doar porque tem medo. E outra grande parcela não quer pensar nisso simplesmente porque não suporta a idéia de morrer. Eu também sou um pouco assim. Mas percebi o quanto sofrem aqueles que estão na espera. Seus parentes. Imagine o que é esperar pela morte de alguém que você ama, sem poder fazer nada, mas sabendo que existe uma cura e que ela poderia vir. Não consigo imaginar nenhuma situação mais desesperadora e mais triste. E ao mesmo tempo, vendo aquelas pessoas que se recusam a doar órgãos, na esperança de serem ressuscitadas algum dia, ou na esperança de que possam driblar a morte, acho que, não doar é uma posição extremamente egoísta. "Vou virar pó. Mas vou guardar toda a sua esperança comigo porque eu posso ser revivido algum dia, sei lá. A morte pode ser reversível." Só quem nunca passou perto de uma situação de desespero na expectativa do transplante pode pensar assim. É por isso que eu sou doadora. Porque posso salvar essas pessoas, mesmo depois que eu morrer. Porque tenho plena consciência de que não vou viver para sempre. E principalmente porque jamais conseguiria morrer em paz sabendo que levo comigo a esperança de outros. Porque sei o quão maravilhosa é a vida e que presente maravilhoso posso dar para os outros. Porque também quero morrer, como a menina da minha história, salvando alguém. Claro que a idéia de alguém tirar algo de mim me incomoda. Mas é um incômodo que desaparece toda a vez que eu penso na dor daqueles que esperam e esperam por uma esperança. :P Quando o Dado se foi, escrevi muitas e muitas coisas sobre a dor de se perder alguém que se gosta e alguém tão jovem (ele tinha 15 anos), que tem toda a vida pela frente. Nunca publiquei nada, porque nunca soube encontrar as palavras certas para dizer alguma coisa para as pessoas que realmente sofreram, muito mais do que eu, com a morte dele. Mas o Eduardo deixou uma marca indelével em mim, assim como em todos aqueles que o conheceram e que conheceram a sua luta. A marca da solidariedade. Ainda não consigo controlar direito a tristeza que sinto das pessoas quando vejo o "não-doador" em suas carteiras de motorista. Fico pensando que deveria fazer um amplo discurso sobre a importância da doação. Mas não adianta. Essas pessoas não percebem que aqueles que precisam do transplante têm nome, têm vida, têm rosto. E por isso não conseguem perceber também as conseqüências de sua decisão. Ao mesmo tempo, é preciso que, aqueles que querem doar e ser doadores, gritem a plenos pulmões. Cadastrem-se. Digam para todos. Porque um dos maiores problemas na doação é, exatamente, a autorização da família. Se você disser para todo mundo que quer ser um doador, acho que ninguém vai negar seu último desejo. Seja um doador. Seja um herói. :) Quem quiser saber mais sobre tudo isso, visite o site da ADOTE.