Trotes


- A Época desta semana traz uma reportagem sobre o caso, ainda sem culpados, do garoto que passou na Medicina da USP e morreu afogado na piscina durante o trote. Ainda que o tom de caça às bruxas da reportagem deixe transparecer, claramente, a busca por culpados, não acredito que estes tenham realmente o crime imputado a si. O que aconteceu é, sim, de certa forma, uma fatalidade. Mas uma fatalidade anunciada. Primeiro pelos órgãos competentes dirigentes das universidades brasileiras. Todos sabem que o trote acontece e todos fazem vista grossa para o evento. Segundo, pela permissividade que ronda os jovens do País. A reportagem anuncia: a quantidade bebida alcóolica consumida durante o fatídico trote é estapafúrdia. Mais de sete latinhas de cerveja por pessoa. Fora uísque, vodka e assemelhados. O que contribui, enormemente, para a tragédia. Sempre fui e sempre serei totalmente contra o trote. É uma selvageria, uma humilhação e um ato de prepotência realizado sob a égide da impunidade, contra pessoas que, por esforço próprio, cometeram o crime de serem aprovadas para um curso superior. Conheci, em minha vida acadêmica, pessoas que quebraram ossos, pessoas que entraram em coma alcóolica, pessoas que passaram mal e não foram socorridas, pessoas que foram tripudiadas e humilhadas, pessoas que tiveram o cabelo cortado de forma covarde, pessoas que se machucaram seriamente e inclusive pessoas que ficaram muito doentes depois de submetidas às "brincadeiras" (tais como dar um banho de água gelada em calouros seminus em uma temperatura de 2 ou 3 graus e deixá-los molhados por horas). Os fatos estão aí. Essas pessoas apenas não engordaram a lista de vítimas dos trotes das universidade porque tiveram sorte. Muitos, sequer comunicaram os excessos às autoridades, por medo de represálias. E estes atos irresponsáveis e cruéis, que não têm qualquer justificativa, a não ser a barbárie que, cada vez mais, ressurge no âmago de nossa sociedade. E o pior: é uma atividade que é renascida a cada ano, como um suposto direito de cada turma de veteranos. É uma pena que poucas pessoas apercebam-se do que efetivamente o trote é: um exercício de poder ditatorial e força. Espero, sinceramente, que essa reportagem da Época possa contribuir, ao menos um pouquinho, para conscientizar e transformar a idéia do trote em uma recepção digna de quem estudou muito e pelo seu suor, conseguiu realizar o sonho de estudar na universidade.