Sobre as bolsas de doutorado no Exterior da Capes


No sábado, dia 16/03, o jornal O Globo publicou uma matéria curta, que falava da suspensão das bolsas da Capes para doutorado pleno no Exterior. Na matéria, o representante alegava que o bolsista pleno (que faz uma seleção e os 04 anos de doutorado em uma instituição estrangeira) era muito caro e que ocasionava uma evasão dos recursos porque, vez por outra, não retornava ao Brasil e que daí a decisão de focar mais nas bolsas sanduíches (onde a pessoa entra numa instituição brasileira e faz um "estágio de doutoramento" no Exterior, que dura no máximo um ano).

Hoje recebi por email a resposta da Capes à matéria, que explica que as bolsas de doutorado pleno vão continuar existindo, mas apenas sob a modalidade de cooperação (como a Capes/Fullbright, por exemplo, onde metade dos custos é da Fullbright e a outra metade da Capes). A resposta alega as mesmas razões da matéria para a "redução" do investimento na candidatura balcão. Essa modalidade (cooperação), embora importante, é geralmente focada em algumas áreas específicas e possui ainda, bem poucas bolsas.

Acho que essa é uma discussão que precisa ser levada adiante por toda a comunidade científica e daí minha intenção em publicar isso no blog. Sabemos que no Brasil, a pós-graduação ainda ensaia passos e tem dificuldade em acompanhar o que está sendo desenvolvido em outros países, principalmente, pela falta de investimento. Com isso, o programa de bolsas no Exterior visava formar gente em áreas em que o Brasil é deficitário, em áreas em que não existe a pesquisa no País. O que vai acontecer agora, com essas áreas?

Quando o pesquisador é selecionado em um processo de alguma instituição no Brasil, quase sempre, um dos principais itens é a capacidade do futuro orientador de orientar o trabalho. Isso significa dizer que há uma certa tendência em aprovar os alunos que têm algum projeto que já está inserido em áreas pré-existentes e nas quais alguém no programa já tem conhecimento. O que é lógico, pois orientar alguém é uma responsabilidade enorme e o orientador precisa entender e conhecer - ao menos em parte - aquilo que o orienando pesquisa. Assim, meu medo da decisão da Capes é que parte da pesquisa inovadora seja perdida, para que os futuros orientandos sejam enquadrados nas linhas de pesquisa dos programas (o que, aliás, é um dos critérios de avaliação dos programas da Capes).

Um segundo ponto levantado na resposta da Capes é que haveria outros mecanismos, como as bolsas de pós-doutorado, que possibilitariam aos pesquisadores um intercâmbio com outro instituto de pesquisa no Exterior e o crescimento das pesquisas. Realmente, a colocação é perfeita. O problema é que, na prática, é muito difícil conseguir uma bolsa dessas, pois a concorrência é muito grande, há poucas bolsas para várias áreas (como a de Ciências Sociais Aplicadas, por exemplo) e a maioria dos pesquisadores espera anos (ou desiste) antes de conseguir. Também o valor da bolsa é normalmente pequeno, muitos pesquisadores, nessa época, já têm família, o que acaba inviabilizando uma estada longa em outro país.

Ainda há o argumento de alguns bolsistas não retornarem ao País após o doutorado. Acho que isso reflete uma falta de mercado para essas pessoas altamente qualificadas no Brasil, pois há pouco ou nenhum investimento privado em pesquisa e pouco espaço nas instituições de ensino, já lotadas de doutores ou demitindo doutores por economia de custos. Há algumas semanas, por exemplo, assisti uma instituição privada simplesmente "apagar" uma linha de pesquisa de ponta no Brasil, em uma área de ciências da terra, e demitir uma enorme quantidade de doutores, em nome dos altos custos da pesquisa (desenvolvimento sustentável, uma área que o Brasil, obviamente, não precisa investir. :P). Eu estava sentada ao lado de um doutor que recebia ligações de vários pesquisadores oferecendo emprego e indicações em instituições/laboratórios em outros países. Isso, em parte, é culpa das políticas educacionais atuais (não vou entrar na questão da mercantilização do ensino) e, em parte, falta de uma política de pesquisa (ou seja, de uma continuidade em investimento em laboratórios e centros de pesquisa) no Brasil. Acredito que, se houvesse algum tipo de política neste sentido, certamente grande parte da evasão seria contida. Ainda assim, não creio que seja lógico impedir todos de especializar-se no Exterior apenas porque alguns não voltam. Até porque, se alguém voltar, o ganho (em ciência e tecnologia, não em capital) ainda supera as perdas.

O que quero defender, com esse texto, é que exista uma maior discussão entre os pesquisadores em torno do que representa um corte de bolsas de doutorado no Exterior. Acho que saímos - enquanto País e comunidade científica - perdendo. Acho que essas bolsas são essenciais e que o programa deveria continuar junto à Capes. Acho que é aí que está a oportunidade para quem quer pesquisar alguma área ainda pequena no Brasil de trazer ciência para o País.

Por fim, ainda fiquei uma uma dúvida: os textos falam na extinção da modalidade "balcão". Bem, a modalidade "balcão" é aquela utilizada por todos os alunos de programas com avaliação inferior a 5 na Capes (3 e 4), pois estes programas não têm quotas de bolsa sanduíche. Se essa modalidade for extinta, isso significa que só os chamados "programas de excelência" vão continuar a ter bolsas sanduíche?