Sobre plágio, cópia e outras coisas mais


Recentemente, vi através de um comentário no blog, que um artigo meu de 2000, que está disponível na sessão "artigos" deste blog, foi utilizado, quase na íntegra e sem citar a fonte, em um edital do governo federal. Vejam:


No edital: (p. 58) "A primeira grande revolução na comunicação aconteceu quando o homem desenvolveu a linguagem, como tentativa de comunicar-se com seus semelhantes. A linguagem permitiu que a humanidade transmitisse o conhecimento adquirido, aperfeiçoando a forma de apreender o mundo. Alguns séculos mais tarde, a linguagem teve seus sons codificados em símbolos, e posteriormente em alfabetos. Com a criação dessa nova convenção, teve início a civilização como a conhecemos hoje."

No meu artigo (p.1): "A primeira grande revolução na comunicação aconteceu quando o homem desenvolveu a linguagem, como tentativa de comunicar-se com seus semelhantes e sucesso na luta pela sobrevivência. A linguagem permitiu que a humanidade conseguisse transmitir o conhecimento adquirido, aperfeiçoando a forma de apreender o mundo pelas primeiras comunidades. Alguns séculos mais tarde, a linguagem teve seus sons codificados em símbolos, e posteriormente em alfabetos. Com a criação desta nova convenção, teve início a civilização como a conhecemos hoje."

No edital (p.58): "A escrita permitiu que o conhecimento ultrapassasse a barreira do tempo e que amensagem pudesse existir independente de um emissor, podendo ser recebida por alguém que soubesse decifrar seu código. Permitiu também a organização linear do pensamento, base da inteligência e cultura dos séculos seguintes. Com a escrita desenvolveu-se também a ciência, criando várias raízes de conhecimento científico e desenvolvendo as civilizações. Com a ciência, o espaço pôde ser reconfigurado, medido, transformado. A distância passou a ser algo concreto, passível de ser medido."

No meu artigo (p.1): " A escrita permitiu que o conhecimento ultrapassasse a barreira do tempo e que a mensagem pudesse existir independente de um emissor, podendo ser recebida a qualquer momento por alguém que soubesse decifrar o código. Permitiu também a organização linear do pensamento, base da inteligência e cultura dos séculos seguintes. Com a escrita desenvolveu-se também a ciência, criando várias raízes de conhecimento científico e desenvolvendo a civilização. Com a ciência, o espaço pôde ser reconfigurado, medido, transformado. A distância passou a ser algo concreto, passível de ser medido."

No edital (p. 58): "Tamanha reviravolta está sendo revivida com o surgimento de um novo meio de comunicação, o mais completo já concebido pela tecnologia humana: a internet. O primeiro meio a conjugar duas características dos meios anteriores: a interatividade e a massividade.O primeiro meio a permitir que todos sejam, ao mesmo tempo, emissores e receptores da mensagem. É uma comunidade repleta de vias duplas de comunicação, onde todos podem construir, dizer, escrever, falar e serem ouvidos, vistos, lidos. Com o surgimento desse novo meio diversos paradigmas começaram a ser modificados, e nossa sociedade deparou-se com uma nova revolução, tanto ou maisimportante do que a invenção da escrita. O paradigma do pensamento linear está sendo superado por um novo paradigma: o pensamento hipertextual, que se organiza sob a forma de associações complexas, considerado muito mais apto e completo para descrever e explicar os fenômenos do que o processo linear. Ao mesmo tempo, o advento do ciberespaço, um espaço novo, não concreto, mas igualmente real, sugere uma reconfiguração dos espaços já conhecidos, das relações entre as pessoas e da própria estrutura de poder. Uma das características mais profundas da influência dos meios de comunicação nas sociedades é a reconfiguração dos espaços percebidos por essa sociedade. A comunicação reduz as distâncias e permite que as pessoas se aproximem. Com a internet essas distâncias tornam-se ínfimas. Agora, além de ter "acesso" a informações de lugares distantes, é possível também alterá-las."

No meu artigo: (p1) "Tamanha reviravolta está sendo revivida neste final de século. Com o surgimento de um novo meio de comunicação, o mais completo já concebido pela tecnologia humana: a Internet. O primeiro meio a conjugar duas características dos meios anteriores: a interatividade e a massividade. O primeiro meio a ser, ao mesmo tempo, com o alcance da televisão, mas com a possibilidade de que todos sejam, ao mesmo tempo, emissores e receptores da mensagem. [É a aldeia global de McLuhan concretizada muito além do que ele havia previsto. Uma aldeia repletas de vias duplas de comunicação, onde todos pode construir, dizer, escrever, falar e serem ouvidos, vistos, lidos.] Com o surgimento deste novo meio, diversos paradigmas começam a ser modificados e nossa sociedade depara-se com uma nova revolução, tanto ou mais importante do que a invenção da escrita. O paradigma do pensamento linear está sendo superado por um novo paradigma: o pensamento hipertextual, que organiza-se sob a forma de associações complexas, considerado muito mais apto e completo para descrever e explicar os fenômenos do que o linear. Ao mesmo tempo, o advento do ciberespaço, um espaço novo, não concreto, mas igualmente real sugere uma reconfiguração dos espaços já conhecidos, das relações entre as pessoas e da própria estrutura de poder."

(p.2) "Uma das características mais profundas da influência de um meio de comunicação nas sociedades é a reconfiguração dos espaços percebidos por esta sociedade. Isso porque a comunicação reduz as distâncias e permite que as pessoas aproximem-se. Não em uma perspectiva concreta, obviamente, mas em uma perspectiva de percepção. Com a Internet essas distâncias tornam-se ínfimas. Isso porque agora não é mais possível apenas ter "acesso" a informações de lugares distantes. É possível também alterá-las."

No edital (p. 59) "A análise da internet como fator modificador das relações sociais é principalmente enquadrada pelo estudo das comunidades virtuais, como forma mais pura de conseqüência da interação entre o humano e o ciberespaço."

No meu artigo (p.2) "A análise da Internet como fator modificador das relações sociais é principalmente enquadrada, em nosso ponto de vista, pelo estudo das comunidades virtuais, como forma mais pura de conseqüência da interação entre o humano e o ciberespaço.

No edital (p.59) "Além disso, a organização da própria informação no ciberespaço faz com que a noção de território que permeou nossas idéias por séculos seja superada."

No meu artigo: (p.5) "Além disso, a organização da própria informação no ciberespaço faz com que a noção de território que permeou nossas idéias por séculos seja superada. "


O problema da cópia na Internet é antigo, todos sabemos. Mas a questão, nos últimos tempos, está virando piada. Recentemente, tive alunos que passaram por problemas semelhantes. Agora quando o próprio Governo Federal copia sem citar a fonte, acho que instituímos oficialmente a "casa da sogra". Sei que muita gente copia por ingenuidade, porque nosso sistema de ensino privilegia a cópia em detrimento do pensamento original e criativo. Mas também temos aqueles que copiam por pura preguiça de pensar, de escrever, de criar algo. E isso é imperdoável.

É preciso que professores, editores, orientadores e todos aqueles que lidam com a educação passem a modificar a mentalidade e a forma de trabalho dos alunos. É preciso estimular o pensamento original, a discussão e evitar a cópia, sob pena da estagnação do conhecimento. Sei o quanto é difícil, muitas vezes, detectar uma cópia. Mas acho que é preciso políticas nos cursos superiores para punir tais práticas e orientação dos alunos para que valorizem sua própria criatividade e seu próprio pensamento. Recentemente, conheci essa ferramenta aqui - Plagiarism Detect - que é bastante útil e funciona direitinho para mostrar cópias. O site faz uma varredura em toda a rede e mostra frases e parágrafos inteiros copiados. Outras ferramentas: Esse site discute o que é plágio e quais seus tipos, e procurando por outras ferramentas, achei o Moss de Stanford.

É interessante que, recentemente, participei de uma palestra com um linguista especializado em plágio e ele discutia a possibilidade estatística de alguém dentro do mesmo universo cultural (socioleto) construir uma frase de mais de 10 palavras na mesma seqüência exatamente igual. É praticamente inexistente, a menos que exista a cópia. Isso porque cada indivíduo tem um vocabulário próprio e uma maneira pessoal de organizar suas idéias. Esse vocabulário é chamado idioleto. Idioletos são extremamente particulares e constituem um universo de termos utilizados por cada indivíduo, a partir de suas leituras, conhecimentos, estudos e convivências. Cada indivíduo tem seu próprio idioleto. Por isso, a chance de dois indivíduos construirem frases (e parágrafos) inteiramente iguais é minúscula.

Na IR, no workshop de publicações, a discussão sobre o plágio foi bastante ampla e veemente. As revistas têm posicionamentos bastante radicais quanto a isso, coisa considerada inadmissível. Eu acho que é preciso começar a discutir isso nos bancos acadêmicos brasileiros, ao invés de "varrer a sujeira para baixo do tapete", como muitas vezes fazemos. É preciso discutir políticas de orientação, detecção e até mesmo, de punicação para a cópia. É preciso debater sobre o que fazer quando algum artigo publicado em alguma revista é denunciado como cópia. É preciso discutir políticas de publicação com maior seriedade. E é preciso, sobretudo a conscientização: Fonte é uma coisa. Cópia é outra.