Capital Social e Redes Sociais na Internet


networkmap350.gifDesde 2005 eu venho escrevendo sobre a importância do estudo do capital social para compreender as redes sociais na Internet. Por que? Defendo que o valor social da adoção de determinados comportamentos e tecnologias é sempre levado em conta pelos atores das redes sociais para determinar seus próprios comportamentos. Por conta disso, vou fazer alguns apontamentos sobre coisas que venho pensando atualmente.

O conceito de capital social, no entanto, é algo complexo e cheio de meandros. De um modo geral, os teóricos que trabalham com a idéia focam o conceito como produto do pertencer a um grupo (rede) de atores (Bourdieu, por exemplo) e aqueles valores que dali decorrem. Ou seja, todos os valores decorrentes da associação com um grupo seriam considerados capital social (o que, de certa forma, deixa o conceito um tanto o quanto abstrato). Embora várias tentativas de operacionalizar o conceito tenham sido feitas (vide Bertolini e Bravo, por exemplo), não há uniformidade na literatura quanto a isso e, muitas vezes, o capital social se confunde com o capital humano. O que é um tanto o quanto esperado, uma vez que os valores que os indivíduos carregam podem tornar-se valores da rede quando estes estão associados. Por exemplo, vamos imaginar que temos um ator com grande conhecimento em uma determinada área. Esse conhecimento passa a ser acessível a outros atores quando aquele torna-se parte da rede. Outro problema comumente discutido são as formas de apropriação desse capital. Enquanto para uma corrente o valor é unicamente social e só pode ser apropriado enquanto social, para outra, o capital social pode ser apropriado pelos atores e transformado em outras formas de capital (vide a discussão que Lin faz).

Formas de Apropriação do Capital Social em Redes Sociais na Internet

No meu trabalho, tenho procurado mostrar que as motivações dos atores para usar a tecnologia passam também por essas percepções e que a apropriação individual dos valores sociais é uma dessas formas. Assim, as formas de capital social que um ator vê na rede podem influenciar seu uso e sua adoção da tecnologia que a proporciona. Procurando discutir um pouco como esse capital social pode aparecer em redes sociais na Internet, temos alguns valores que são comumente referenciados. Vou fazer aqui uma tentativa de sistematizar esses valores.

  • Valores Relacionais: São aqueles relacionados com a construção da rede em si. Estão focados em criar, aprofundar e manter os laços sociais. Essas formas de capital social são importantes porque auxiliam na manutenção da estrutura social.

Esses valores podem ser apropriados pelos atores de várias formas. Por exemplo, um ator que subverte o funcionamento da rede para se tornar popular está apropriando o capital social relacional (centralidade). Com isso, o ator consegue tornar-se mais central na rede (tornar-se um conector). Vemos isso acontecer com freqüência no Orkut. Outro exemplo, diferente, é o caso das trocas de links no Fotolog ("me add que eu te add"). Neste caso, os atores negociam as ações, de forma a tornar-se mais visíveis com a cooperação dos demais (visibilidade). Outra forma de valor relacional apropriado é ainda o uso das ferramentas tecnológicas para manter ou recuperar os laços sociais (como Ellison, Steinfield e Lampe defendem no seu artigo sobre o Facebook). Aqui, vemos que os atores utilizam a ferramenta para manter uma rede social que, de outra forma, não poderia ser facilmente mantida (manutenção).

  • Valores Informacionais (ou cognitivos): São aqueles relacionados com aquilo que circula na rede, mas que não estão diretamente relacionados com sua manutenção. Essas formas de capital social são importantes porque fazem circular os valores na estrutura social e só pode acontecer quando a primeira forma de valor está presente.

Esses valores também podem ser apropriados de formas diferentes. O empenho de um determinado ator em obter informações e divulgá-las a sua rede social, por exemplo, enquanto foca esse tipo de valor traz para o ator reputação. Vemos isso com mais clareza nos usos do Twitter e dos blogs. O gerenciamento dessas informações que circulam, proporcionado pela mediação tecnológica, também pode acarretar em modos de criar identidade e identificação para os atores (muito comum no Fotolog). Através da reputação, este ator pode ter acesso a outras formas de capital. Outro modo de apropriar esse tipo de capital é obter as informações importantes através da consulta à rede (conhecimento).

O Capital Social na Internet

Essas apropriações não são independentes. Enquanto as do primeiro grupo são facilitadas pela mediação tecnológica, as do segundo são unicamente decorrentes dos modos de gerenciar as primeiras. Com isso, quero dizer que a mediação da Internet parece permitir formas de apropriação do capital social mais complexas e especializadas. A mediação da Internet, em última análise, permite ao ator um maior controle desse capital, que de outra forma não estaria tão facilmente acessível. E a mediação da Internet também permite a criação de novas formas de apropriação individual. A cada nova tecnologia de comunicação mediada pelo computador, menor investimento é exigido de um ator para ter mais acesso aos valores da rede. Isso implicaria, de uma certa forma, em um menor comprometimento social e em um maior dispêndio de tempo para os atores. Ou seja, a Internet parece, como já mostraram Wellman e Quan-Haase lá no princípio dos estudos sobre o assunto, estar aumentando o capital social mas, entretanto, aumentando também formas de apropriação desse capital, mais focadas nos laços fracos que nos fortes.

Considerações para futuros trabalhos

Acho que dentre as coisas que precisamos observar nas redes sociais hoje estao esses elementos: Até que ponto a mediação da Internet auxilia no comprometimento social dos atores? Ao tornar o capital social tão facilmente apreensível, com um mínimo investimento, será que não está acontecendo uma desvalorização deste? Há diferenças na apropriação desses tipos de capital dentre os vários níveis de idade/sexo/inclusão dos atores sociais? Tenho a impressão de que, enquanto os adolescentes parecem mais focados na transposição do capital social para os laços fortes (ou seja, utilizando a mediação para aprofundar e manter os laços sociais, de forma relacional), os adultos estão mais focados na apropriação desse capital a partir dos laços fracos (de forma mais informacional), mais genérica e menos social. Será que podemos pensar assim? Como a mediação da rede altera as percepções dos atores de valor/investimento/lucro social? Como pensar a apropriação capital social do ponto de vista da mobilização coletiva na Internet? Todas essas questões estão abertas e precisam de mais estudos para aprofundá-las.

Textos citados:

Bertolini, S. e Bravo, G. (2000) Dimensioni del Capitale Social. DSS PAPERS SOC 4-00.
Bourdieu, P. (1986) The forms of capital. In J. Richardson (Ed.) Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education (New York, Greenwood), 241-258.
Lin, N. Social Capital. (2001) A Theory of Social Structure and Action. Cambridge University Press: 2001.
Quan-Haase, A. e Wellman, B. (2002) How does the Internet Affect Social Capital? In: Marleen Huysman and Volker Wulf, (Eds.). IT and Social Capital. Draft 4: Tuesday, November 12, 2002.

Update: Já falei no Twitter e esqueci de comentar aqui: Para quem se interessa pelo assunto do capital social, tem um site ótimo com leituras básicas e avançadas e muitas coisas online (não só focado na Internet), o Social Capital Gateway.