Twitter e Bobagens


twitter.jpgDevido à falta de tempo, andei comentando várias coisas no meu Twitter, mas não elaborei com maior cuidado o que queria dizer (o que espero fazer agora). Recentemente, saiu um estudo da Pear Analytics onde se apontava que 40.55% dos tweets eram "pointless babbles"; 37.55% eram conversacionais; 8.7% passam "valor adiante" (seja lá o que isso signifique); 5.85% são auto-promoção; 3.75% são spam; e apenas 3.6% são notícia. No Twitter, eu elaorei parte dessa crítica, como os critérios de classificação (o que seria, exatamente, uma "pointless babble", por exemplo) e o fato de os estudiosos terem classificado coisas como "o que eu estou fazendo" nessa categoria. Aqui, queria elaborar mais a fundo o problema que vejo no trabalho.

O Twitter é conversacional, mas não só isso

É óbvio que toda a forma de comunicação mediada pelo computador (seja um site, seja um perfil no Orkut, seja um fotolog) é, no íntimo, conversacional. É por isso que chamamos a essa categoria comunicação mediada. O objetivo de construir um perfil no Twitter é, em última análise, interagir com outras pessoas. É claro que, dentro da apropriação, as pessoas vão direcionando essa interação para outros fins, além daqueles de construir/reconstruir/aprofundar sua rede social. É por isso que eu chamei várias vezes a atenção para o fato de que o Twitter tem um forte caráter informativo. Do meu ponto de vista, esses novos fins da apropriação vão sendo moldados pelos valores percebidos pelos atores na interação que, em última análise, é também uma relação econômica, de investimento e lucro.

Bem, mas na base de tudo isso, o Twitter é uma ferramenta conversacional. Como ferramenta conversacional, ele suporta uterâncias (ou representações dessas uterâncias, para não entrar na discussão bakhtiniana da linguagem oral/escrita) e diálogos. E, como sabemos, uma conversação é composta de uma série de elementos não-verbais, paralinguísticos, além dos verbais; e dentre estes, também de elementos ritualísticos. Ou seja, um diálogo offline não é composto apenas daquilo que é efetivamente dito, mas de todo um sistema de elementos que dão sentido e que são socialmente estabelecidos (como os rituais) para que a conversação aconteça. Os estudiosos da comunicação mediada (vide o trabalho de Susan Herring, por exemplo) têm mostrado que vê-se na oralização da linguagem da Internet, uma "tradução" de boa parte desses elementos (como os emoticons, as onomatopéias e etc.). Ou seja, procuramos modos de repetir os modos de diálogo também no espaço online. Por isso que as conversações mediadas, quando vistas de fora, parecem dar a impressão de serem constituídas de uma série de uterâncias inúteis. Não são inúteis, são conversacionais. Não são pointless babbles, são partes de um todo.

O Twitter é Performance

Além disso, é preciso não perder de vista que todo o ritual na Rede é também performático (no sentido de Goffman). Ou seja, a comunicação mediada é também uma conversação pública, repleta de expressões que são construídas para dar aos demais participantes determinadas "impressões" sobre os atores. Um perfil no Orkut expressa, por exemplo, menos quem eu sou e mais quem eu penso que sou e quem eu quero que os outros vejam. Toda a representação social na Internet passa por esse processo, porque os atores possuem um controle maior dessas expressões. Assim, é óbvio que as conversações no Twitter também são performáticas, propostas para criar determinadas impressões e determinados modos de ver. A presença de celebridades e fakes no Twitter é uma clara expressão dessas performances. E essas formas de comunicar não são "pointless", de novo. Elas trazem elementos que vão enriquecer a rede social, criar novos valores, gerar atenção.

O problema com a pesquisa da Pear

O que quero dizer, portanto, é que precisamos ser cuidadosos ao avaliar as pesquisas que vão surgindo com afirmações "bombásticas" sobre as ferramentas da Internet. As apropriações sociais são diferentes, claro, mas todas possuem um fim, que é negociado e construído pelos atores e suas redes neste espaço. Assim, se levássemos a pesquisa da Pear ao pé da letra, imaginaríamos que

1) existe apenas uma quantidade pequena (8.7%) dos tweets que "levam valor". Todos os tweets constróem e negociam valores. A interação social, per se, é um valor. O acesso à informação é um valor. A capacidade de ampliar e amplificar a rede social é um valor. Portanto, seria mais fidedigno afirmar que 100% dos tweets constróem valor.

2) 37.55% apenas são conversacionais. Todos os tweets são conversacionais. O que podemos fazer é uma escala de valores, e classificar aqueles que são direcionados (@alguém) como conversacionais diretos (porque fazem parte de um diálogo) e aqueles que não estão direcionados como indiretos. Podemos também classificar os tweets com base nos valores que se sobressaem (como foi o caso da pesquisa que eu e a Gabriela Zago fizemos com 622 tweets). Mas é preciso ter em mente que todos os tweets serão, em alguma medida conversacionais.

3) 40.55% dos tweets são asneiras. Novamente, outra classificação complicada. Não dá para dizer o que é bobagem e o que não é em um diálogo. É preciso analisar com maior cuidado como essas "pointless babbles" influenciam a conversação. Assim, acredito que essa categoria, seja, na realidade, composta de tweets conversacionais indiretos.

O problema, creio eu, é confundir categorias específicas (como auto-promoção e notícias) com categorias genéricas, como conversação. Talvez, se fossem criadas sub-categorias dentro das possibilidades conversacionais e das possibilidades informacionais, a pesquisa ficasse mais clara. Assim, que apesar das inúmeras matérias escritas em blogs de tecnologia que deram apenas uma olhada superficial no trabalho e saíram por aí noticiando que o Twitter é um monte de asneira, tomei aqui a liberdade de fazer uma crítica. Não é. Não se engane, nenhuma ferramenta social é um monte de asneiras. As interações são complexas, são econômicas e traduzem parte das redes sociais das pessoas. Mais do que isso, elas influenciam sim, e muito, o universo offline, reconstruindo sentido e criando mobilizações.

Para outra crítica, leia aqui o comentário da danah boyd.(Andamos discutindo o assunto por email, os argumentos dela são bem semelhantes aos meus.)