Jogos e Redes Sociais: o caso do Mafia Wars


mw.jpgUm dos principais motivos pelos quais tenho interessado-me pelos jogos do Facebook, nos últimos tempos, é o fato de que eles representam redes sociais diferenciadas, com valores e normas intrínsecas que não vi em outras redes. Tenho trabalhado um pouco nos últimos meses na tentativa de compreender as apropriações e práticas desses jogos, que parecem tão diferentes daqueles já estudados na comunidade gamer. Vou falar um pouco dessas observações aqui no blog, e vou começar discutindo um pouco o Mafia Wars, um dos mais populares jogos do Facebook.

Os jogos do Facebook seriam uma categoria do que se chama jogo casual. Ou seja, são jogos que naturalmente possuem uma retenção mais baixa, pois são construídos para jogar "nas horas vagas": são simples e de fácil compreensão e a maior parte deles não prevê um roteiro complicado ou dificuldades mais explícitas. No entanto, há diversas apropriações que mudam essa realidade um pouquinho e que tornam determinados jogos muito fortes e com um impacto social

O caso do Mafia Wars

O Mafia Wars é um exemplo emblemático dessas questões. O jogo é um pouco mais complicado que a média, com uma série de movimentos possíveis mas, uma vez aprendido, torna-se simples e, inclusive, meio chato. No entanto, é um jogo que tem uma comunidade muito ativa de jogadores, que retornam todos os dias. Pensando nisso, entrevistei alguns usuários e passei um tempo mergulhada no jogo e em suas comunidades há alguns meses. Assim, construí alguns apontamentos a respeito do caso.

Heavy Users

mw2.jpgA força do jogo não está no jogo, mas em sua apropriação social. Boa parte do que faz o MW um jogo forte são as várias "famílias" construídas pelos usuários, que permitem uma série de inovações sociais que não existem no mecanismo do jogo em si. Por exemplo, as famílias declaram "guerra" entre si, possuem códigos de honra e empregos especiais. Dentro de uma família é possível ser um espião, trabalho que não existe no jogo em si. Há famílias com códigos de ética bem fortes, como por exemplo, atacar jogadores com atitudes racistas ou consideradas não de bom tom (mesmo o nome do jogador pode ser um motivo para ataque). Há famílias inimigas, há associadas, há traições, há mafias secretas. Do mesmo modo, dentro das famílias há níveis hierárquicos e grupos de usuários responsáveis por funções específicas. Assim, há recompensas e promoções e toda uma hierarquia que torna o jogo mais interessante, mas que não passa por ele, nem por sua plataforma e nem pelos seus mecanismos. Vejam, portanto, que o jogo vai além do jogo, ou seja, a plataforma do MW é simplesmente um dos variados espaços de representações e construção de capital social criados pelos jogadores, mas há outros. Ou seja, o núcleo da comunidade dos jogadores é responsável pela criação de novas formas de capital social e renovação das mesmas, gerando valores que vão, depois, circular pelas zonas mais periféricas das redes sociais.

É claro que toda essa construção fortalece imensamente o fato do jogo ser um RPG (role playing game), criando um mundo de fantasia e de atuação para os jogadores mais comprometidos. E são esses jogadores que acabam sustentando os jogadores mais casuais, seja através de incentivos sociais, seja através da manutenção da circulação de valores no jogo. O Mafia Wars só tem graça se outras pessoas estiverem jogando, desbloqueando reinos e mostrandos para os demais os ítens mais avançados, mantendo o interesse no processo.

Redes Sociais Utilitárias

Outro elemento interessante é que essas apropriações tornam o jogo mais social, indo além de um jogo individual com competição social. E isso impacta imensamente nas redes sociais que estão explícitas por esses jogadores no Facebook. Por exemplo, uma prática comum é adicionar toda a sua "família" como amiga no FB, apenas para que o jogo a reconheça como parte da sua rede social (os jogos do Facebook automaticamente listam as pessoas da sua rede social como amigos no jogo). Logo depois, os usuários deletam todos esses "amigos", utilizando a ampliação da rede social simplesmente para aumentar sua força no jogo. Assim, aparecem personagens com 500, 600 amigos no Mafia Wars, mas se constatarmos as redes sociais dos jogadores no Facebook, elas poderão ser bem menores. Deste modo, se mapearmos a rede social do usuário no jogo e fora dele, veremos que há partes imensas que não se sobrepõem. Isso significa que os jogadores estão criando redes sociais diferenciadas para objetivos sociais diferenciados, baseados no capital social percebido. Assim, há redes sociais dentro das redes sociais, com formas específicas de valores e transações. Isso vai tornando o processo de agrupamento social mais utilitário e mais focado em pertencimento e associação.

redememe.jpgConversando com os jogadores, todos parecem perceber que essas práticas são construídas como comuns no jogo. Não se espera que um amigo "do jogo" seja também um amigo do Facebook. Muitos, inclusive, criam variados perfis para os variados jogos, como forma de preservar a privacidade do perfil "original". Outros ainda usam o mesmo perfil, mas sempre com o cuidado de deletar imediatamente os novos amigos, tão logo apareçam na "mafia" do jogo. Ter amigos no jogo é um valor não apenas para as lutas (amigos aumentam o poder de ataque e de defesa), mas igualmente na busca pelos diversos ítens que podem ser colecionados, dados e recebidos e mesmo divididos com os jogadores. Logo, há toda uma série de valores associados ao tamanho da rede social, mas quase nenhum associado à qualidade dela. E isso é bastante diferente daquilo que observamos nas redes sociais offline, onde a qualidade dos laços promove valores importantes. É por isso que os usuários rapidamente criam formas diferenciadas de apropriar o jogo e construir novas redes sociais, que não necessariamente possuem qualquer relação com suas redes offline. É interessante perceber, assim, o caráter mais utilitário desses novos grupos, focados unicamente na apropriação do capital social pelo indivíduo, algo que nas redes offline é muito difícil, pois compreende um custo alto.

Estas observações vão na mesma direção de algumas pesquisas e artigos que recentemente publiquei, discutindo o fato de que a Internet permite novas apropriações das estruturas sociais, apropriações estas focadas nos tipos de capital social percebidos em suas diversas ferramentas. (Falei disso em uma pesquisa com a Gabriela Zago sobre o Twitter.) Vou escrever mais sobre essas observações do Mafia Wars nos próximos posts. :-)