Publicações e Performances: A Internet e o Fim da Privacidade


avatares.jpgNo final de semana a última grande discussão girou em torno de uma declaração do Mark Zuckerbeg (aka. Facebook) de que a privacidade não é mais um valor da nossa época e de que a norma, agora, é ser público. Embora todos os sites especializados tenham feito da declaração uma manchete, a mim parece que é dizer o óbvio. Mas não apenas com relação aos sites de redes sociais. A própria Internet é a maior representante do fim da privacidade no nosso tempo. Mas exatamente que mudanças a rede trouxe para a privacidade?

Mais informações são divulgadas

No começo de cada semestre, costumo fazer uma pequena brincadeira com meus alunos: peço a todos que procurem por seus nomes no Google. Raros são aqueles que não encontram referência alguma. Está tudo lá: nome,blogs, fotologs, perfis de redes sociais, concursos feitos, vestibular e etc. Em alguns casos, até informações bastante particulares, como CPF e endereço são possíveis de ser encontrados. A maioria dos alunos fica bastante horrorizado. O grande problema é que diversos tipos de informações que seriam públicas, no mundo offline atingem uma outra dimensão. Porque essas informações, na Internet possuem "buscabilidade" (para copiar um termo da danah boyd referente à capacidade de buscar informações e retornar resultados que é uma características dos sites de rede social) e uma perenidade inimaginável. Resultados de um concurso, por exemplo, que seriam procurados por um ou dois anos, no máximo, e depois esquecidos no mundo offline, ficam ativos para sempre no online. Enquanto perenes na rede, esses resultados podem ser buscados a qualquer momento, por qualquer um. Esse tipo de informação já era pública antes, só não tinha memória, ou seja, não persistia acessível por muito tempo, como acontece hoje. E é claro que assim, essa mudança impacta o nosso sentido de privacidade de forma mais pungente.

Performances e Atores

Os sites de rede social, é claro, ampliam essa publicização do "eu". Enquanto os indivíduos começam a publicar seus gostos, seus textos e suas fotografias, a noção de público daquilo que era privado atinge ainda outro patamar. Mas essa noção de público é um pouco diferente daquela apontada pelas informações que circulam na rede. Aquilo que é colocado público num site de rede social, num blog ou fotolog é sempre performático. Ou seja, não somos quem apresentamos ser nesses sites. Ao contrário, sites de redes sociais são como palcos, onde usamos maquiagem, representamos papéis e exacerbamos lados de nossas personalidades ou de nossos "eus" que não constituem a sua completude. Apresentamos ali fragmentos, pedaços, reflexos. Somos atores, a partir da perspectiva de Goffman. Isso porque, nesses sites, somos também interagentes, seres comunicacionais, que estão diante de uma platéia, de um grupo e temos (em maior ou menor grau) a consciência dessa exposição. Mais do que isso, nos sites de rede social temos algum controle sobre os tipos de informações que divulgamos. De uma certa forma, isso permite que as pessoas divulguem mais aquelas informações que consideram positivas a respeito de si ou que esperam que cause algum impacto na rede, ou seja, permite que as pessoas realizem performances. Além disso, como a Internet complexifica as redes sociais, essas informações circulam mais, atingindo mais gente e aumentando a exposição dos atores.

Publicações e Performances

Meu ponto é, portanto, que temos dois tipos diferentes de publicização do eu e de informações que são publicadas na Internet que modificam as nossas visões de privacidade. O primeiro tipo, que chamarei aqui de publicações, é daquelas informações sobre as quais não temos controle, como aquelas divulgadas por órgãos públicos e privados. O segundo tipo é relacionado àquelas informações sobre as quais temos controle e modificamos de acordo com nossas percepções, que são aquelas difundidas em sites de rede social e afins. São as performances. Nos dois casos, a tecnologia tem um papel fundamental, pois mantém vivas as informações, tornando-as acessíveis e buscáveis.

A Internet representa, portanto, um passo de modificação nos hábitos cotidianos das pessoas. E essa modificação está essencialmente atada à mudança de perspectiva das informações colocadas públicas e publicadas. E de uma certa forma, essa mudança tende a refletir-se também nos hábitos das pessoas, e em novas formas de apropriação que salientem mais os aspectos privados do eu. Ou seja, a conseqüência é que as pessoas criem formas diferentes de performance, para lidar com a redução da privacidade. De qualquer forma, publicações e performances tendem a impactar de forma diferente as noções de privacidade dos indivíduos. E tendem, também, a gerar práticas sociais e apropriações diferentes, que merecem ser investigadas. Um bom trabalho para uma pesquisa futura. :-)