Violência, Política e Sites de Rede Social


Nos últimos dias participei de um evento promovido pela Comissão de Participação Legislativa, na Câmara, sobre ódio e violência nos sites de rede social e acabei dando uma entrevista para a Zero Hora sobre um evento que aconteceu numa mesa com o mesmo tema, aqui no RS, quando um grupo se levantou, em meio a agressões, e acabou com a mesa. Há algumas coisas sobre esses eventos que eu acho importante ressaltar. 

Sobre a Violência nos Sites de Rede Social
Há dois tipos de violência, como o Žižek coloca na sua obra: A subjetiva, que é aquela mais visível, a agressão direta, o atentado terrorista, o homicídio; e a objetiva, que é sistêmica e que diz respeito também à violência do discurso. Uma não existe sem a outra e a violência do discurso é aquela que causa o status quo a partir do qual a violência subjetiva emerge. Gosto muito dessa idéia, porque mostra que a violência é sistêmica e não isolada e que está intrinsecamente sendo construída por todos nos discursos todos os dias. Então, nesse espectro, na nossa pesquisa, interessam-nos mais os discursos que não são evidentemente violentos, mas revestidos de violência simbólica (no sentido de Bourdieu, violência que é naturalizada e que naturaliza). Interessam-nos as formações discursivas que desvelam a violência em um nível mais geral (por exemplo, como o fato de "negro" ser um sujeito ausente na discussão sobre o dia da consciência negra no Twitter, artigo que está no prelo para ser publicado). Assim, esse tipo de violência é geradora de outras formas de violência mais explícitas. Esses discursos sempre existiram na sociedade, mas se tornaram mais visíveis na mídia social, por conta de suas características de "públicos em rede" (da danah boyd): permanência, escalabilidade, audiências invisíveis e etc.

Sobre a Violência, Política e as Eleições 2014
Nosso interesse por essas formas mais explícitas nasceu durante as campanhas eleitorais de 2014. Isso porque as campanhas foram bastante presentes na mídia social. Só que o que aconteceu aqui é outra coisa. As campanhas eleitorais, em geral, no Brasil, nunca foram "limpas", por assim dizer. Sempre houve baixaria, agressões, militância agressiva e etc., particularmente apoiadas pelos candidatos. Os debates refletiam muito isso. A questão é que, em 2014, essa campanha "suja" tradicional apareceu com muita força na internet e, como sabemos, a mídia social tem um forte aspecto de contágio. O comportamento agressivo de alguns candidatos, militância e o próprio "tom" da campanha foi rapidamente espalhado pelas redes sociais, onde as pessoas comuns foram inflamadas e as agressões passam a ocorrer.

Ou seja, a agressão aqui não foi uma coisa típica da mídia social, mas das campanhas. Essas agressões foram pioradas pela guerrilha informacional que foi proposta e por estratégias de "grito", ou seja, onde alguns candidatos contratavam bots e pessoas para fazer uma determinada informação circular (verdadeira ou não) e falar sobre isso sem parar. Essa estratégia gera um volume muito grande de mensagens agressivas, que era criado por um grupo pequeno, mas muito articulado, passando a impressão que TODOS estavam dizendo a mesma coisa (mas na verdade temos apenas um grupo "gritando"). O que temos hoje é que essas articulações continuaram após as eleições. É resultado direto dessa guerrilha informacional que vimos na mídia social. A maioria das pessoas, por exemplo, não passa o dia todo falando agressivamente de candidatos e ex-candidatos. Há outros assuntos, há outras coisas importantes. Mas essas estratégias de guerrilha continuam ativas e dão a impressão que todo mundo está envolvido numa interminável discussão política e acabam, muitas vezes, por inflamar as demais pessoas vez por outra (mas não o tempo todo). O que estou dizendo, assim, é que existem vários fenômenos acontecendo, que não dizem todos respeito às mesmas causas e efeitos

Violência Organizada
O que vimos na mesa sobre ódio na assembléia do RS, por exemplo, é resultado desse efeito das eleições e das novas formas de articulação da guerrilha informacional que toma a política. Há uma intencionalidade na agressão, há uma mobilização para agredir por motivos diversos mas, geralmente, políticos (gerar descrédito, silenciar, etc.). Essa agressão "mobilizada" acontece em outras esferas também, como a do bullying, e é geralmente organizada por um grupo pequeno, que se mobiliza em torno da "causa". O problema desse primeiro fenômeno é a organização em torno da violência. Há uma ação de grupo para agredir, há uma mobilização para "inflamar" outros que vão também se tornar agressores. Não há ruído, há intencionalidade nessa violência.

Apenas para dar exemplo, vejam a seguir o grafo em torno de um discurso agressivo político. São cerca de 30 mil tweets de pouco menos de um mês (a busca não foi feita através hashtag). Vejam como há uma centralização em torno de grupos articulados (coloridos, ao centro) que vão contaminando outros sujeitos, uma vez que a agressão se torna mais visível. (Clique na imagem para ver em tamanho maior.)

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Violência Orgânica
As agressões no cotidiano da maioria das pessoas são resultado de ruídos do canal e emoções afloradas. Essas agressões têm características específicas. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o ator conversa com uma tela, não com outra pessoa. Há milhares de elementos necessários à conversação (características não verbais como tom de voz e expressão facial) que são perdidos. Em segundo lugar, é difícil construir um contexto de fala. Imagine, por exemplo, que você faria uma piadinha sobre um determinado candidato para seus amigos no bar, porque sabe que eles ririam e não levariam a sério e isso seria legal. Quando você faz essa mesma piadinha no Facebook, recebe um levante de comentários agressivos. Isso acontece porque não há como setar um contexto. É dificil perceber quem é a audiência que recebe aquilo que você publica. E particularmente, é difícil entender como essa audiência vai receber a mensagem. E o Facebook, por exemplo, ainda tem outra característica ruim para esses casos: É assíncrono. Ou seja, ao contrário da conversação "offline", onde você percebe que sua mensagem não foi bem recebida e rapidamente corrige isso, no online há uma demora, e as agressões escalam, porque as emoções ficam inflamadas.

Apenas para ilustrar, de novo, no grafo a seguir, vemos um exemplo disso. É o grafo de um discurso agressivo de gênero que estamos trabalhando (não é hashtag). São quase 50 mil tweets de pouco menos de um mês. Vejam como há pouca centralidade e como as falas não se baseiam em citações e retweets. Há uma prevalência do discurso em grupos diferentes. (Clique na imagem para ver em tamanho maior.)

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Meu objetivo aqui foi colocar um pouco do que temos pensado em termos de violência em site de rede sociais. Esse projeto, que desenvolvemos desde 2008, tem o apoio da FAPERGS e boa parte do que fizemos só foi possível graças aos parcos recursos que conseguimos com alguns editais do CNPq. Em breve, publicaremos alguns resultados no blog do grupo MIDIARS.