Sobre Avatares Coloridos, Facebook e Difusão de Informação


fotocolorida.pngEstava há algum tempo para escrever sobre isso, mas não tinha tido, ainda, tempo. Desde sexta-feira (26), quem logou no Facebook deve ter visto uma avalanche de cores nos avatares das pessoas. A ferramenta, denominada "Celebrate Pride", foi disponibilizada pelo próprio Facebook naquele dia, para celebrar as paradas LGBT que acontecem no final do Junho no País. Ao mesmo tempo, no mesmo dia, a Suprema Corte americana, numa decisão histórica por lá, decidiu que casais gays tinham o direito de se casar em qualquer estado da União. A união das duas coisas gerou um fenômeno que foi bastante explorado pela mídia nos últimos dias, onde milhares de pessoas mudaram suas fotos por avatares coloridos em celebração ou apoio (não apenas no Facebook, mas principalmente por lá).

Diante disso, muita gente comentou que há uma falsa percepção de apoio por conta dos filtros do Facebook (ou seja, "parece" que todo mundo está colorido porque sua rede está colorida), que isso não importava porque o filtro da ferramenta não permitia que outras pessoas vissem as fotos "coloridas" ou mesmo, que apenas 26 milhões de pessoas tinham mudado a foto, o que era nada diante do mais de 1 bilhão de usuários do Facebook. Acabei comentando algumas coisas sobre a importância desse "ativismo de sofá", que vou explorar um pouco melhor aqui.

O Impacto maior da Foto de Perfil
O primeiro ponto que acho que é importante é que pouca gente falou no impacto que a foto de perfil tem no processo de difusão de informações no Facebook. Isso porque a foto de perfil é uma informação pública por natureza. Ou seja, independentemente de seus settings de privacidade, sua foto de perfil é a informação mais pública que se tem. Qualquer pessoa que procurar por outra pessoa no Facebook verá sua foto de perfil. Se você instalar qualquer aplicativo que funciona via Facebook (joguinhos como Candy Crush, ferramentas como Swarm, enfim, qualquer coisa que use o Facebook login) vai mostrar sua foto de perfil para a rede que você tem lá. Qualquer comentário que você faça em outra ferramenta via Facebook login, mostra sua foto de perfil. Se você usar o Facebook chat, outro exemplo, lá estará sua foto para quem falar com você. Além disso, o algoritmo do Facebook privilegia a mudança de foto de perfil, tornando essa informação mais visível para sua rede. Então, a foto de perfil transita de modo diferente na rede. Ela tem muito mais impacto no processo de difusão de informações porque é muito mais visível do que qualquer outra informação que você publique lá (por isso, acho que não dá para comparar com posts, por exemplo). Ela "fura" muito mais os filtros do Facebook, circula mais livremente e atinge sim, uma rede muito mais distante do "ego" (ou seja, do ator central) do que outras informações. 

Isso é importante porque o Facebook tem uma estrutura mais clusterizada do que se imagina. O trabalho de Backstrom et al. (2011), por exemplo, encontrou a distância média entre dois usuários da ferramenta como sendo de 4,74 (4 conexões). Isso significa que, em média, você está separado de qualquer outro usuário do Facebook por até três pessoas. O estudo, que é baseado no popular trabalho do Milgram sobre seis graus de separação, mostrou que o site de rede social aproxima, sim, as pessoas. Na teoria, isso também daria ao Facebook um potencial de circular as informações muito mais rapidamente em sua rede, porque os nós estão mais próximos. Na prática, em geral, essa circulação é "desacelerada" pelos filtros de relevância. A exceção, aqui, seria a informação da foto de perfil, que tem mais visibilidade e transita mais pela ferramenta. Isso explicaria a velocidade da adoção da foto colorida e o fato de atingir 26 milhões em poucos dias. Como as pessoas estão mais próximas e a informação circula mais livremente, ela tem mais impacto na rede. Portanto, mais do que a "impressão" causada pelo algoritmo de concordância do Facebook, você teve a impressão porque sua rede mudou a foto, sim. E sua rede influenciou outras redes (o Malini, do Labic, falou em algo como mais de 320 mil tweets em poucas horas com a hashtag #LoveWins). 

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Imagem: Graus de separação

Ativismo de Sofá
Embora muita gente tenha criticado o "ativismo de sofá" de apenas mudar sua foto, como falei acima, essa é uma ação muito significativa, pois deu visibilidade sim para o apoio aos direitos LGBT, o que, em tempos de intolerância, é muito importante. Outro ponto relevante é que muitas pessoas famosas, celebridades, políticos, órgãos governamentais e etc. também apoiaram de forma explícita o movimento. Isso tem um impacto muito grande nas demais pessoas, pois mostra um discurso oposto ao que tem sido majoritariamente divulgado em muitos espaços (especialmente no Brasil). Neste caso, de modo específico, a viralização do ativismo tem um impacto relevante, a meu ver, na sociedade, pois houve um apoio "pessoalizado".  E esse apoio pessoalizado, público, parece-me relevante.

26 milhões... é pouco?
Na verdade, todos os números de usuários do Facebook (e de qualquer outra ferramenta) são geralmente baseados em MAU (monthly active users), ou seja, número de usuários ativos no mês (1,5 bilhão). Isso significa que um "usuário ativo" é considerado qualquer pessoa que logou na ferramenta (inclusive usando um aplicativo de terceiro) uma única vez durante o mês. Isso significa que, na verdade, o número de usuários que passa pela ferramenta diariamente não é nem perto do mais de 1 bilhão de usuários. Em fenômenos localizados como este, isso é bastante importante, porque a tendência na mídia social é um menor movimento durante o final de semana (vejam que eu falei que "Celebrate Pride" começou na sexta-feira). O único número de DAU (daily active users/usuários ativos por dia) do Facebook que eu encontrei é este aqui - 800 milhões. De novo, isso significa que em média, até 800 mi de pessoas utilizam o login do Facebook em um dado dia. No final de semana, provavelmente, esse número seja bem menor. Além disso, temos todos os limites de ação que impedem as pessoas de tomar partido de movimentos como esse, tal como "não entrar na modinha", não querer participar de um experimento do Facebook, manifestar apoio na timeline, mas não mudar a foto e etc. Finalmente, tem a questão do fuso horário, que também influencia a difusão de informações. Assim, se um movimento do tipo atinge seu ápice num horário onde a rede está morta em outro lado do mundo, há uma tendência a essa difusão estar reduzida naquela localidade.  Por isso, considero que 26 milhões em apenas 3 dias é, sim, um número considerável. 

Enfim, acredito que este foi um fenômeno bastante relevante de viralização e que salienta a importância da foto de perfil como informação e como informação que circula de modo diferente na rede. Seria muito interessante se o Facebook divulgasse a geolocalização dos números, para que pudéssemos ver se há outras influências (como fuso horário, por exemplo) e o próprio processo de difusão das imagens. De qualquer modo, suspeito que o Facebook Data Science Team deva divulgar alguma coisa sobre esse movimento (uma vez que apenas eles têm esses dados, que são absolutamente fechados p/ outros pesquisadores. Algumas matérias já estão, inclusive, especulando sobre isso.).