Disputas discursivas no Twitter: O Dia da Consciência Negra


Há algum tempo, fiz um trabalho de análise de redes focando os discursos sobre o dia da consciência negra no Twitter. Resolvi repetir esse trabalho no dia 20, três anos depois de um estudo semelhante (veja aqui o artigo), para ver o que é possível observar no mesmo Twitter. Uma das primeiras coisas que achei importante registrar é a caracterização cada vez maior do Twitter como um espaço de ativismo. O Henrique Antoun e o Fabio Malini já falavam disso há anos, mas tenho visto nos últimos tempos, que o uso do Twitter como uma ferramenta de espalhamento de mensagens, conscientização (não entendo isso como conscientização por algo que vc concorde) e mobilização em torno de um determinado assunto é cada vez maior. Com isso, grupos diversos acabam reunindo-se e promovendo "tuitaços", e "subindo" hashtags e isso acaba dominando boa parte da conversa na ferramenta, durante um determinado período. Para tentar driblar esses grupos e pegar uma idéia de discurso mais generalizada, fiz a busca por vários termos, focando os resultados a seguir no "consciência negra" não como tag, mas como palavras separadas. Embora eu tenha coletado bem mais coisa, aqui vou comentar rapidamente só 17456 tweets coletados no final do dia 20, através do NodeXL. Como vocês sabem, o Node tem dificuldade de trabalhar com um número maior do que 10 mil nós, por isso, optei por fazer os grafos no Gephi. Foram 16.339 nós. 

O primeiro mapa, a seguir, mostra as relações entre os nós e os tweets. Os tamanho dos nós refere-se ao número de retweets e menções. São aqueles nós que mais influenciaram a conversação com seus tweets. Vemos vários nós humorísticos, mas que também trouxeram mensagens de bastante conscientização. Alguns tweeters humorísticos dão o tom de várias falas, mas também há a presença forte de coletivos e ativistas. (Clique na imagem para ver em tamanho maior.)

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Na imagem a seguir, vemos aqueles nós cujos tweets repercutiram mais em diferentes grupos e não apenas nas suas audiências (vejam vários nós com características mais políticas e ativistas), o que também contribui para o "tom" da discussão. (Clique na imagem para ver em tamanho maior.) 

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Discursos

No mapa a seguir, vemos os principais conceitos associados aos tweets sobre a data. O tamanho do conceito refere-se a sua frequencia e as conexões, às suas ocorrências conjuntas. Evidentemente, o mapa é dominado pelo grupo "dia consciência negra". É interessante observar também a presença de "racismo", "igualdade", "luta", "raça" e outros termos bastante relevantes no grupo vermelho, o mais focado em mensagens ativistas da data. O grupo em tom mais claro compreende tweets mais gerais, focados em assuntos diversos, como a comemoração, zumbi, feriado e etc. (Clique na imagem para ver em tamanho maior).

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No mapa a seguir, vemos as co-ocorrências mais importantes no grupo geral. Vejam como fica mais clara a escolha de palavras ("direitos", "igualdade", "racismo", "luta", "raça" e "homenagem"  - ao invés de "comemoração") no grupo vermelho, que caracterizei como discurso ativista, versus o grupo mais claro, que faz a discussão, mas onde há outros discursos também presentes. O principal deles é a famosa misquote (quote que não existe) atribuída ao Morgan Freeman, onde ele supostamente diria que seria preciso "parar de se preocupar com a consciência branca, amarela etc. etc". e se preocupar com a "consciência humana", que é uma adaptação de uma outra frase em outra entrevista que teria sido tirada de contexto (veja aqui). Mesmo assim, tweets do tipo "pra que dia da consciência negra?", "consciência negra? consciencia tranquila", estão bastante presentes. (Clique na imagem para ver em tamanho maior.)

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O que podemos observar, então?

Com relação ao meu trabalho anterior, continuamos vendo a presença de diferentes discursos sobre a data, entre eles, aquele do feriado e da comemoração. Mas é interessante também observar que cresce a presença dos conceitos "negros" e "negra" associadas à luta, respeito e direitos, o que não se via antes. Conceitos positivos como "orgulho", "cor" e hashtags de ativismo como "#lugardonegro" também aparecem com força, indicando um aumento da visibilidade do discurso da luta pela igualdade que apareceu tão apagado no trabalho anterior. Parte dessa centralização da discussão deu-se também por conta das notícias da marcha das mulheres negras, que precederam a data e de ações afirmativas que foram também noticiadas no período. Isso é uma mudança importante na arena da esfera pública da mídia social, trazendo evidências cada vez maiores da politização e de seu espaço para ativismo na discussão de temas relevantes (e também muitas vezes "apagados" da mídia tradicional). Apesar disso, vemos que também há o discurso de apagamento presente (que questiona a data ou que diminui sua relevância). O que é interessante, entretanto, é que em 2012 esse era o discurso prevalante. Neste 2015 não foi mais.