Hello: O orkut 2.0


hello.pngSemana passada conversei com a reportagem da BBC Brasil sobre o Hello, novo site de rede social que está sendo lançado pelo Orkut, o mesmo cara que fez a popular ferramenta do Google (orkut). Com base na discussão com o repórter, pensei bastante sobre a ferramenta e decidi escrever algumas considerações aqui, levando em conta a minha experiência com o orkut (ferramenta). (Trabalhei pesquisando o orkut para o Google por vários anos e tive oportunidade de conversar bastante com o próprio criador sobre a criatura -Para fins de discussão, vou usar sempre Orkut - com maiúscula- como a pessoa; e orkut, com minúscula, como a ferramenta.) 

Um orkut melhorado
Fiquei com a impressão de que o Hello é, em parte, uma atualização da idéia central do orkut. A ferramenta, que nasceu como "Six Degrees" enquando ele trabalhava no Google, tinha como estrutura central a reunião de pessoas por interesses e hobbies. A idéia central das comunidades era servir como um espaço para pessoas com interesses semelhantes se encontrarem. Claro, essa idéia foi rapidamente modificada quando a ferramenta foi apropriada pelos usuários (algo que o próprio Orkut se ressentia um pouco) e virou um espaço de manifestação identitária (quem eu sou, do que eu gosto), de jogos/brincadeiras (quem, dentre os early users do orkut, não lembra da "Como ou não como" ou outras comunidades semelhantes?) e etc. Com o crescimento do site, a idéia de reunir pessoas com interesses semelhantes passou a ser secundária, existindo não mais como plano principal. Ao mesmo tempo, outras apropriações foram modificando mais o uso imaginado da ferramenta, como a gamificação das avaliações (no início do orkut, as pessoas eram avaliadas pelos amigos como "cool" (legal, que era representado por cubinhos de gelo), "sexy" (corações), e tinha "fãs" e etc. A brincadeira foi rapidamente apropriada pelos usuários e "bombada", servindo como fator motivador para convidar todo mundo que conheciam, com a promessa e a troca de que fossem bem avaliados por esses usuários. Originalmente, tinha até um top 10 de usuários em cada categoria. Claro,isso fez também com que as pessoas passassem a adicionar todo mundo (inclusive quem não conheciam) aos seus perfis, na tentativa de entrar na famigerada lista dos 10 mais e de se destacarem entre os amigos. Isso também contrariava a ideia original do Orkut, que era muito mais próxima de que as pessoas se apresentassem "verdadeiramente" e mostrassem realmente seus amigos.

Todo o projeto do orkut era muito interessante e revolucionário para a época, no universo dos sites de rede social. Além de um design infinitamente superior que seus concorrentes (na época, o Friendster principalmente) e fácil de ser compreendido pelos newbies, o orkut inovava permitindo que se navegasse pela rede social dos amigos, vendo quem era amigo de quem. As idéias centrais da ferramenta eram ótimas e, justamente por isso, ela explodiu rapidamente (o crescimento mais rápido no Brasil, entretanto, inibiu o crescimento em outros países, mas isso é assunto para outro post). Mas o crescimento do orkut também significou usos novos, apropriações inesperadas e para funções que não eram necessariamente aquelas pensadas pelo criador. E é fácil ver vários desses elementos na descrição do Hello (a questão do "amor", dos interesses, dos "ementos de gamificação" descritos pelo Orkut na reportagem da BBC e etc.). É interessante que quase todas essas idéias iniciais parecem estar presentes (talvez numa versão 2.0) no Hello. 

Desafios
Por conta disso, fico com a impressão de que o Hello é um novo orkut (o Orkut sempre detestou que o Google lançou a ferramenta com o seu nome), mas com um foco mais direcionado para a questão de encontrar outras pessoas e conhecer aqueles que têm interesses semelhantes aos seus. Embora quase todos os sites de rede social tenham flertado com essa proposta, nenhum conseguiu efetivamente concretizá-la direito equilibrando interação (que é a base do uso da ferramenta), conteúdo e interesses, formando "comunidades" e não apenas redes. Os valores constituídos foram sendo modificados: O Twitter, por exemplo, virou uma rede de conversação e informação(interação); o Facebook virou um espaço social (mas para socializar com quem você conhece, principalmente)(interação); o Instagram é conteúdo e interação etc. Mas aquelas ferramentas que conseguiram focar nos interesses comuns (Pinterest, por exemplo) acabaram perdendo no quesito interação (ou seja, são pouco "sociais"). Fico com a impressão, pela descrição do Hello, que ele terá como foco ser um espaço de comunidade virtual, mais do que de outras redes de pessoas pouco conhecidas. A comunidade é baseada na confiança, na interação e no interesse coletivo, além do compartilhamento. E construir esses valores em escala, hoje, é um grande desafio. 

Primeiro porque hoje há muito mais medo da exposição online (principalmente por culpa do Facebook) e as pessoas são mais cuidadosas nisso, reduzindo a interação a nichos mais privados (por exemplo, Whatsapp). Há uma preocupação para com a privacidade que não existia antes, que tende a fazer com que as pessoas se escondam mais para interagir. No tempo do orkut, a privacidade foi uma preocupação secundária, que só apareceu com força no seu declínio. Ou seja, será que o Hello vai conseguir inspirar as pessoas a compartilharem mais? Para isso, é preciso confiança no ambiente e confiança no grupo (ou seja, conseguir tornar a experiência no site positiva, retirando trolls e com uma política para o comportamento desviante, o que não é fácil - vejam que o Facebook até hoje não consegue aplicar essas políticas de modo global).

Outro desafio é a questão da confiança e da "verdade". A expectativa no Hello, nas palavras do Orkut é  "On Hello, I just want you to be you!" Necessariamente, as pessoas criam e utilizam máscaras nos sites de rede social. Essa é uma expectativa meio contraditória, porque há uma tendência a criar versões de si mesmo que não necessariamente são "reais". A questão da confiança só advém com a emergência de uma comunidade de suporte, o que é um estágio, digamos, avançado de capital social e de interação, que não pré-existe à ferramenta

Há espaço para outro site de rede social?
Depende do valor que essa ferramenta vai acrescentar para as pessoas em termos de capital social e como vai lidar com interação e interesse como motor principal. Se esses elementos forem interessantes e a apropriação representar valores que outras ferramentas não oferecem, é bem possível que roube usuários e tempo de outras ferramentas. A migração de usuários entre ferramentas diferentes já foi vista várias vezes na história dos sites de rede social. E com a migração de parte da rede, a rede inteira acaba também migrando. Veremos o que acontecerá quando o Hello for liberado para cá. Mas tenho a impressão de que, se a ferramenta conseguir focar efetivamente em "comunidades", há possibilidade.