[24 de março de 2010]

Barreiras do Facebook na América Latina: Traçando algumas hipóteses

facebook-logo.jpgUma matéria recente do Inside Facebook traz os dados do crescimento do Facebook na América Latina, mostrando que a ferramenta continua crescendo no Brasil, mas não tanto quanto no México, que lidera o ranking do número de usuários. O Brasil aparece apenas em quarto lugar em número de usuários acrescidos no mês, atrás da Argentina e da Colômbia. Reproduzo a tabela abaixo.

tabelafb.jpg
Fonte: Inside Facebook


De acordo com a matéria, o Facebook cresceu menos no Brasil, que deveria liderar o ranking, aumentando apenas a metade do número de usuários que foram acrescidos em novembro. A matéria aponta ainda algumas hipóteses para o crescimento mais lento do Facebook na América Latina em relação a outras regiões do mundo, sendo principalmente a linguagem e a regionalização cultural (ser reconhecido como um site "latino").

Latin American users, with their strong regional identity, may also prefer to have a native-language network designed around their needs. Witness the recent growth of Quepasa, a new social network for Latin users that, according to a quote from its founder on HispanicBusiness.com, is “an authentically Latino site.” Facebook has a lot of localizing to do before it can claim the same.


Na verdade, creio que a coisa vai além disso. É óbvio que a língua é uma barreira sim, pois ao contrário da Europa, a maior parte dos jovens - que são os early adopters desse tipo de ferramenta - não fala inglês na América Latina. Além disso, a língua impede o crescimento escalado, pois mesmo quando atinge um núcleo que compreende inglês e fala bem, não se propaga pela rede como um todo. Isso impediu o crescimento do Facebook aqui quando o mesmo estava crescendo no mundo todo - demorou bastante para a ferramenta apresentar uma tradução para espanhol e português decente. Com isso, a ferramenta perdeu mercado para outros sites que apresentaram interfaces diferenciadas para os usuários. A maioria delas, com uma interface mais compreensiva e usável. Finalmente, o terceiro problema: com o crescimento de outros sites de rede social, o Facebook perde a chance de entrar no mercado. Simplesmente porque as pessoas não vêm valor algum em "migrar" para outra ferramenta que oferece valores similares aos das ferramentas que já utiliza.

A questão do Brasil

Muitos se perguntam por que o Facebook não dispara no Brasil, o maior país em população da América Latina e um dos maiores líderes em adoção de ferramentas sociais. Para mim, a questão vai além da regionalização - levantada pelo Inside Facebook. Creio que o Facebook tem dois problemas no Brasil: a língua e a concorrência. Apesar de óbvias, essas barreiras não são totalmente explícitas. Embora o Facebook tenha traduzido parcialmente a ferramenta para o português, por exemplo, a maior parte dos aplicativos - que são seu grande diferencial - ainda é em inglês. A interface ainda é ruim e difícil para um usuário acostumado com o Orkut. E, com isso, não há adoção consistente pelos "pequenos grupos" que possa alavancar um crescimento maior.

O que quero dizer? Um site de rede social cresce primeiro pelos laços fortes. O valor de se estar nesse tipo de ferramenta é diretamente proporcional ao número de amigos que também estão. É esse comportamento de grupo que constrói capital social. Os laços fracos começam a valorizar esses sites apenas em um segundo momento, quando já existiu alguma motivação para a apropriação de um grupo maior de usuários. É por isso que é difícil quebrar o Orkut: é preciso migrar muitos "pequenos grupos" antes de se conseguir que o valor dos laços fracos emerja através de conexões entre pessoas que apenas de conhecem, mas não têm intimidade. E essa migração só vai acontecer se o Facebook apresentar valores diferentes do Orkut (o que poderia ser o caso, se os aplicativos fossem em português e melhor explorados) que minimizem o custo inicial da migração. Como não apresenta, continua com um crescimento muito focado ainda em pequenas redes de pessoas que compreendem a língua e a interface, sem atingir um percentual alto da população como o Orkut.

Já em países de língua espanhola, o Facebook apresenta um crescimento mais consistente. Vê-se que há uma grande quantidade de aplicativos desenvolvidos em espanhol. Quizzes em espanhol estão crescendo na ferramenta, e nas listas de aplicativos mais utilizados e mais instalados é possível já ver aqui e ali, um app em espanhol, como o Entrevista tus Amigos, o Emociones de Amigos, o Frases Diarias e o Dedica una cancion. Claro que os aplicativos crescem porque cresce a população de adotantes e cresce o interesse em desenvolvê-los. E igualmente, porque o Facebook chegou primeiro em vários países latinos - como o Chile, onde o crescimento é maior, e o próprio México - onde era utilizado para manter contato com amigos e familiares que moravam nos Estados Unidos.

Claro que aqui apresento apenas algumas hipóteses para o debate. Mas vale a pena observar como a estrutura das redes sociais dos adotantes dos sites de rede social pode influenciar sua adoção por uma grande população.
por raquel (08:20) [comentar este post]


Comentários

Júlio Boaro (março 24, 2010 9:21 AM) disse:

Muito se falava no crescimento do Facebook no Brasil. Mas o Orkut reagiu no momento certo aprimorando a interface. Quanto ao conteúdo, o Orkut é imbatível. A massa crítica gerada (anos de discussão em fóruns) e laços fortes gera uma inércia suficiente para garantir-lhe a dianteira ainda por alguns anos por acá no Brasil.

Bruno Höera (março 24, 2010 1:04 PM) disse:

Em percenual no mês o Brasil está em segundo lugar em crescimento. Em números sim o Brasil está em 4o.

Cristiano Baldi (março 24, 2010 1:11 PM) disse:

O Brasil é o segundo em percentual de crescimento, com 9,9%, e não quarto. Está atrás apenas do México, que tem 12,1%. Se olhares a tabela com o mínimo de atenção, verás que o Brasil é o quarto em número absoluto de novos usuários, o que, para a análise proposta, significa muito pouco.

raquel (março 24, 2010 1:21 PM) disse:

O percentual é em relação ao número total de usuários e não à população absoluta do país. Por isso significa que o crescimento do Brasil ainda é lento. Em números absolutos de novos usuários no mês o Brasil é o quarto, o que ainda é ruim em relação ao mercado.

raquel (março 24, 2010 1:22 PM) disse:

Oi Cristiano! Era número de usuários adquiridos no mês - fevereiro. O percentual é relativo ao número total de usuários da ferramenta e não ao número total de usuários possíveis.

raquel (março 24, 2010 1:23 PM) disse:

Oi Bruno! Já corrigi. :)

Victor Gonçalves (março 24, 2010 2:31 PM) disse:

Olá! Belo artigo. Concordo plenamente quando você coloca "O valor de se estar nesse tipo de ferramenta é diretamente proporcional ao número de amigos que também estão. É esse comportamento de grupo que constrói capital social." E em "(...)é preciso migrar muitos "pequenos grupos" antes de se conseguir que o valor dos laços fracos emerja através de conexões entre pessoas..."

E apesar de concordar com o Júlio quando ele fala que a quantidade de informação gerada no orkut é vasta, discordo de que isso seja um diferencial. No meu ponto de vista o Orkut se perdeu em relação ao que é gerado ali. O conteúdo é muito pobre, perfis fakes existem aos montes, sendo assim a banalização da rede por parte de alguns usuários é um fato.

Claro, o Orkut não deixará de existir (pelo menos não tão cedo), pois ele existe pra atender uma classe social específica. Principalmente aqueles que vem da inclusão digital. Sejam pessoas menos favorecidas, idosos ou não simpatizantes com internet. Pois naturalmente, o Orkut é muito mais fácil de aprender a usar.

Marcos Campelo (março 24, 2010 10:47 PM) disse:

Excelentes observações. Vou analisar a questão de "laços fortes" e "laços fracos" na rede social de concursos http://atepassar.com

Suzana Gutierrez (março 25, 2010 9:23 AM) disse:

Oi Raquel

Uma coisa que fica encoberta pelas estatísticas é a qualidade da migração de um serviço para o outro. Numa observação informal dos jovens, isto é, observando um universo de +- 1000 adolescentes que são ou foram meus alunos e com os quais mantenho ligação no Orkut, notei que muitos fizeram cadastro no Facebook e inclusive usaram aquele recurso de adicionar os amigos do Orkut. Porém, não abandonam o Orkut e não usam o Facebook.

Nestes números brasileiros é necessário diferenciar o uso real do site. Ainda mais quando quase todos os SRS adotam ferramentas que publicam automaticamente. Eu mesma não uso o Facebook. Tenho algumas publicações automáticas por lá, entro para responder algum contato direto ou aceitar amigos. Não uso os jogos nem lá e nem no Orkut (fator de sobrevivência no doutorado :)).

Seria interessante algum estudo comparativo nos dois SRS usando, por exemplo, interações pessoais e intencionais tipo, recados, respostas, comentários, colocação de fotos direta... e considerando os mesmois usuários.

Vi a foto da tua filhinha. Ela vai ser muito parecida contigo.

abração

João Baptista Lago (março 25, 2010 10:36 AM) disse:

Oi, Raquel. Além de tudo o que você já expôs neste e em outros posts sobre a questão FB x Orkut, há um dado de realidade adicional a ser considerado: o baixíssimo percentual de internautas brasileiros que dispõem de banda larga em casa (me pergunto inclusive qual seria esse percentual em outros países da AL, bem como se estes possibilitaram às suas populações de baixa renda a aquisição em massa de computadores, como houve aqui). Isso porque o Facebook foi feito para rodar em banda larga, e tentar fazê-lo funcionar na conexão discada é maluquice: demora para abrir tanto a timeline, quanto os linques para se clicar depois do login. Curtir games mais pesados como vários da Zynga, então, na dial-up? Melhor ir tomar sorvete ali na pracinha da Igreja ou aprimorar as vocações culinárias no trailer do Feliciano do Poncho, porque simplesmente não abre. Ora: como menos de 10% (4% em 2009) dos internautas brasileiros têm banda larga em casa e como o Orkut funciona incomparavelmente melhor que o FB na conexão dial-up mesmo sem seu recurso "internet lenta", qualquer discussão envolvendo a disputa Orkut x FB, por conseguinte, estará circunscrita apenas sobre esses menos de 10% de internautas de classe-média e acima dela. E por um bom tempo ainda, já que operadoras de telefonia reduziram, de modo substancial, os custos das ligações (em SP a Telefonica agora permite chamadas locais e uso da dial-up por tempo ilimitado, a partir de um acréscimo simbólico na tarifa). Afora isso, o comentário da Suzana reflete o que ocorre em um de meus perfis no Orkut, que alunês de baixa renda me intimaram a abrir em 2006: não só continuam fiéis ao Orkut, como ainda continuam trocando scraps com regularidade; já num outro perfil, mais pessoal (no qual só adiciono pessoas mais próximas) e de renda mais elevada, houve uma debandada considerável para o FB. Porém... não absoluta. Tua profecia de um ano atrás em termos de clusterização social, assim, parece se confirmar: estratos sociais de maior renda e escolaridade migrariam para o FB, usuários de menor patamar sócio-econômico permaneceriam no Orkut. E, uma surpresa: tal migração parece não ter ocorrido de modo absoluto, mesmo na faixa de maior renda e escolaridade. É o que constato quando vejo o dono da videolocadora, brincando (eu disse brincando, não falei "jogando") no Colheita Feliz.

Lucas Ferraz (abril 8, 2010 10:18 PM) disse:

Oi Raquel! Comprei o seu livro na Saraiva hoje, e gostaria de saber se você tem outras referências de livros para leitura sobre essa temática. Decidi fazer meu TCC sobre Redes Sociais e estou encontrando muita dificuldade em encontrar livros para utlizar no trabalho.

Desde já obrigado!
Abraços

Maria José da Silva (abril 10, 2010 7:20 PM) disse:

Boa Noite.

Me chamo Maria José, sou aluna da Universidade Anhembi Morumbi e entro em contato hoje em busca de uma contribuição para fechar um estudo de um Artigo Cientifico cujo tema é : "REDES SOCIAIS COMO FERRAMENTA DE MARKETING ESTRATÉGICO PARA EMPRESAS: ORKUT E TWITTER" estamos trabalhando nesse tema a quase um ano e boa parte do nosso referencial vem das suas publicações e principalmente do seu livro, assim ficariamos muito satisfeitas se respondesse a nossa pesquisa.
segue o link.

https://spreadsheets0.google.com/viewform?hl=pt_BR&formkey=dE1BMldYOGNjU0xRRVQ1cjNRZ1NUNEE6MA


Obrigada

Marcelo Hayashi (abril 10, 2010 7:58 PM) disse:

Eu acho que deve ser considerar, e não foi mencionado, muito do fato de o ser humano preferir a continuidade do que experimentar o novo. Se o novo não trouxer uma vantagem significativa, para que as pessoas vão migrar?

Eu sou usuário significativo das redes sociais (além de tentar empreender algo na área), e ultimamente tenho usado mais o FB que o Orkut, mas ambos menos que o Twitter. Sou um usuário avançado, eu sei (privilegiado de ter inglês e espanhol fluente, educação nível pós-graduação, etc.) e o Facebook, mesmo na sua interface mudando toda hora e com erros de tradução, me oferece algumas coisinhas a mais que o Orkut.

Para o uso geral, uma das poucas vantagens que vejo do FB em relação ao Orkut (neste exato momento) é a melhor integração do sistema para uso Mobile (via celular). Isso pode não tender para um aumento do uso brasileiro agora, já que são poucas as pessoas que podem comprar um celular com bom acesso a internet (e isso eu digo, celulares usando OS como Symbian, Windows Mobile, Blackberry, etc.), mas a tendência é a popularização, e nisso se o Orkut não correr atrás de uma melhor integração, deverá ter mais ênfase na sua derrocada para o FB.

Outra coisa que pega também é a relação amor-ódio entre Google e Twitter, e por isso até hoje o Orkut não tem uma integração decente com o Twitter, enquanto o FB já tem (e se for ver, até outras redes como LinkedIn e Ning já tem). Uma coisa pode levar a outra e se o Google não descer do salto, pode começar nestes pontos o seu declínio no Brasil.

Abraço!

Robério Pereira Barreto (abril 26, 2010 6:56 PM) disse:

Olá, Raquel
Sou pesquisador - Mestrado - da cibercultura e das redes sociais e tenho como lócus e sujeitos da pesquisa jovens e adolescentes do sertão bahiano, mais especificamente do Território de Irecê - BA. Agora, tenho acompanhado as discussões que você vem fazendo, de maneira que estou reconstruindo o projeto de doutorado para este viés das redes sociais e, por isso, estou acompanhando seu blog além de seus livros. Estes últimos textos tem sido bastante signficativo para mim.

Sirléia Rosa (junho 21, 2010 4:27 PM) disse:

Oi Raquel,
gostei muito da matéria. Estava neste momento pesquisando no Alexa a estatística de acesso às redes sociais no Brasil
http://www.alexa.com/siteinfo/orkut.com.br
E o seu artigo meu ajuda a entender a estatística do Alexa :)
Fico muito feliz em ter encontrado seu site, pois o seu livro mandei trazer direto do Brasil.
Obrigado pelas contribuições.

Cordialmente,
Sirléia Rosa

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