[23 de julho de 2010]

Orkut x Facebook: Divisão de classe no Brasil?

orkutfb.jpgO último post da danah boyd retomou uma discussão antiga que ela iniciou a respeito da migração de usuários entre o MySpace e o Facebook nos Estados Unidos. O trabalho dela mostra que há também uma divisão cultural e racial entre as duas ferramentas, que ela observa através da linguagem e dos símbolos culturais construídos pelos adolescentes nas ferramentas. Ou seja, que os preconceitos e práticas existentes no dia a dia da sociedade americana são também transportados para o ciberespaço, em última análise.

Quando olhamos para o Brasil, observamos coisas parecidas. Enquanto o Orkut é o site-mor repositório do dia a dia do brasileiro, o Facebook tem crescido de forma consistente no Brasil. Ainda está longe de ameaçar o Orkut, mas cresce. A questão é: onde cresce e como cresce?

O Orkut, faz alguns anos, passou a crescer com força entre as classes menos favorecidas no Brasil. Esse fenômeno foi rapidamente etiquetado por muitos como processo de "favelização do Orkut". Ao mesmo tempo, notícias frequentemente associam o Orkut com eventos criminosos, apontando os riscos da ferramenta (um dos principais motivos pelos quais muitos banem o acesso em instituições e escolas). O preconceito com esse "novo" público foi rapidamente evidenciado. Por exemplo, olhando uma matéria recente de uma revista a respeito do Orkut, recorto algumas 'falas' dos comentaristas a respeito da ferramenta:
"é lamentável um site tão util como o orkut tenha sido dominado por esses seres sem nenhuma capacidade de raciocínio, por essas e outras que muita gente está migrando pro facebook que apesar de ter uma interface pior ainda não chegou na favela."

"destruiram o orkut tanto quanto os fakes e a “favelização”"
No meu próprio blog, recebo diversos comentários com falas semelhantes, apontando os problemas do Orkut como 'culpa' de outros usuários, aqueles das classes menos favorecidas. Essas falas apontam claramente para a construção de um preconceito. E esse preconceito, como construção cultural vai agregando outras práticas, tal como a migração das classes mais altas para ferramentas mais "seguras" como o Facebook. Dados da Nielsen Online divulgados pelo IDGNow! no final do ano passado já apontavam: o Facebook cresce mais junto às classes A e B, que estão migrando lentamente do Orkut. Outros números, divulgados pelo Inside Facebook também apontam esse crescimento no Brasil. Enquanto o Facebook soa como um espaço "salvo", "privado" e "seguro", o Orkut é frequentemente retratado como um espaço de "crime", "falta de segurança" e "risco". O que parece acontecer aqui é a mesma construção cultural da divisão de classes observada pela danah nos Estados Unidos. Estamos transportando preconceitos sociais que estão firmemente construídos na sociedade brasileira para o ciberespaço. Este post apresenta apenas alguns indícios dessa questão, que merece ser investigada mais a fundo.
por raquel (08:39) [comentar este post]


Comentários

Ruleandson do Carmo (julho 23, 2010 12:54 PM) disse:

Escrevi e apresentei no 3º Seminário Blogs: Redes Sociais e Comunicação Digital, em Novo Hamburgo (RS) o artigo "PRECONCEITO SOCIAL NA INTERNET: a reprodução de preconceitos e desigualdades sociais a partir da análise de sites de redes sociais", no qual analisei o discurso contra a "orkutização" do Twitter, nome dados por usuários do serviço de micro-blog e de blogs mesmo para a vinda de usuários do Orkut para o Twitter o que segundo os que são contra tal "orkutização" estaria tornando o conteúdo publicado no Twitter pobre e irrelevante. Há a divisão de classes também nos sites, só não percebe quem não quer. Bom ver que não fui o único a me atentar para essa questão! ;)

Ruleandson do Carmo (julho 23, 2010 1:15 PM) disse:

Ah, para quem se interessar em ler meu artigo "PRECONCEITO SOCIAL NA INTERNET: a reprodução de preconceitos e desigualdades sociais a partir da análise de sites de redes sociais" o resumo nos anais do evento está aqui: http://www.feevale.br/files/documentos/pdf/36655.pdf e o artigo completo está aqui: http://sites.google.com/site/ruleandson/Home/PRECONCEITOSOCIALNAINTERNET_An%C3%A1lisedoorkutetwitter_PP.pdf :D

Kárita (julho 23, 2010 1:34 PM) disse:

Muito bom texto. A transposição para a net, principalmente em redes sociais, de preconceitos e "questões de classes" já havia dado vários indícios. Recordo certa vez ter visto uma colega a pedir para ser convidada para a rede Elysiants, bastante mais "seletiva". Em Portugal acontece algo semelhante (talvez aqui um pouco mais influenciado pelo fator idade)que é a migração do Hi5 para o Facebook. Para finalizar, havia lido este texto pela manhã sobre Orkut e pedofilia:
http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Tecnologia/Interior.aspx?content_id=179471

Kárita Francisco (julho 23, 2010 2:07 PM) disse:

Acabei de ver via twitter... Um app para Facebook que deixa o tom da pele mais claro gera polêmica na Índia...precisa dizer algo mais?

http://globalvoicesonline.org/2010/07/23/india-fair-lovely-and-facebooked/

Daniela (julho 23, 2010 2:30 PM) disse:

Eu tinha Orkut quando apenas uns três amigos brasileiros tinham. Facebook também: eu tinha conta lá, mas ninguém conhecia ou aderia, a não ser amigos que moravam fora. No final das contas cancelei Facebook, Twitter, Fotolog e fiquei só com o Orkut. Agora o Orkut está com essa target de ser noncult, mas espere o lançamento do filme sobre Facebook e ele virar pop! Creio que haverá então mais uma migrarão para outra rede social considerada mais "a salvo", "privada" e "segura" que o Facebook. Um pouco de teoria do caos para desestabilizar!

Emídia (julho 23, 2010 2:44 PM) disse:

Acho que é natural procurar lugares aparentemente mais "seguros". O problema é que a maioria das pessoas foge de algo que se impõe: a desigualdade que nós mesmos alimentamos, seja ativa ou passivamente. Não adiantam redes sociais mais "sofisticadas", grades ou segurança privada. Enquanto ignorarmos que fazemos parte da solução, todos os problemas gerados pela falta de acesso a educação, saúde e segurança públicas vão continuar nos seguindo. Isso sem falar que tanto Orkut quanto Facebook quanto nossa vida real estão cheios de gente que não é de favela, que "tem estudo", fazendo coisas tão ruins ou piores do quem nasceu e cresceu no meio da violência e da privação de direitos.

Eugênio Mira (julho 23, 2010 3:02 PM) disse:

Essa discussão é velha, e pelo jeito ainda vai longe. Quando eu publiquei meu artigo sobre os "Segurança em sites de relacionamento", os problemas eram na sua maioria de privacidade. Agora, além disso, podemos encontrar apologia à crimes, drogas e, a quase onipresente, pedofilia. Naturalmente, em qualquer rede social existem problemas desse tipo, mas no caso do Orkut fica cada vez mais clara uma postura do Google no sentido de "não enxergar" tais problemas, limitando-se a transferir a responsabilidade do conteúdo para os usuário, como podemos conferir na notícia abaixo:

http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2010/07/procuradoria-geral-entra-com-acao-que-pode-fechar-o-orkut-no-brasil.html

No meu novo artigo, vou focar a relação dos usuários dentro do ambiente acadêmico, mas como não dar atenção para os casos crescentes de violência, principalmente nos casos de cyberbullying? Em minha singela opinião, o Orkut é uma Rede Social com os dias contados se não consertar problemas sérios em sua formulação. No entanto, será que mudando a fórmula do sucesso que fez do Orkut o site mais acessado do país, ele conseguirá manter seu ritmo? A Google não está disposta a pagar pra ver.

José Eugênio - Analista de Infra e Professor

Thysa Jackes (julho 23, 2010 3:48 PM) disse:

Muito bom!

Paulo Victor (julho 23, 2010 8:07 PM) disse:

Coisa que me assusta, Raquel, nesse processo de divisão digital, é o fato de brasileiros gerarem conversações estritamente em inglês no Facebook (o que nunca vi no Orkut), talvez no intuito de se isolarem mais e mais num suposto elitismo. Não sei o quão é recorrente, mas tenho visto com certa frequência - agora menos que tempos atrás, é verdade - amigos e amigos de amigos atualizarem seus status (com comentários) apenas em inglês, mesmo quando boa parte de seus amigos falam português. Definitivamente, coisa pra gringo ver...

Celine (julho 23, 2010 11:34 PM) disse:

Eu comecei a usar o Facebook pra manter contato com os amigos que fiz durante o intercâmbio, logo minhas atualizações são quase todas em ingles.
Pra mim ambos os sites tem uma interface péssima, e recursos inuteis. Mas é o que temos.
Mas muitas pessoas agem como o Paulo victor falou, o que acho ridículo!

FG (julho 24, 2010 7:28 AM) disse:

I keep hearing stories like this again and again from several different countries. The first dominant SNS, when outperformed by a competitor (often Facebook), suddenly becomes a sort of ghetto for lower income classes. It seems as they lag behind the rest of the population...

Tiago Nogueira (julho 24, 2010 9:13 AM) disse:

Problema muito bem percebido, acho que seria uma pesquisa muito interessante observar essa "migração" orkut/facebook por causa do preconceito social.

jc (julho 24, 2010 12:07 PM) disse:

oi raquel,
permita-me compartilhar um artigo que trata justamente deste tema - http://webinsider.uol.com.br/2010/05/03/o-orkut-sera-superado-pelo-facebook-no-brasil/
um abraço

Suzana Gutierrez (julho 26, 2010 8:41 AM) disse:

Oi Raquel

Bom texto e ótimos comentários dos leitores. A rede não é uma dimensão estanque da realidade social, ela reflete, funciona dentro da mesma lógica que perpassa as relações sociais. O 'ciberespaço' não é algo que paira acima ou fora do contexto histórico de seu tempo.
É óbvio que o Facebook não é mais "privado ou seguro" que o Orkut. Apenas e momentaneamente é mais "exclusivo". Compartilhar o espaço de forma horizontal, aceitando pessoas consideradas economica e socialmente 'inferiores' é muito incomum e não seria diferente nos 'espaços virtuais'.
O que mais me chama a atenção nisso tudo é que as questões de classe (aqui entendendo classe na erspectiva marxiana) continuam bem presentes, apesar dos sucessivos decretos de morte da ideologia e fim da história. A web, em especial pós web 2.0 (como chamam), está reproduzindo cada uma das relações de poder sob as quais vivemos e desviando das grandes possibilidades emancipatórias que a cultura hacker apontava nos anos 1990. Assim como a violência, a pedofilia, e as questões de classe crescem nos sites de redes sociais, cresce também o trabalho imaterial e a apropriação privada do que é socialmente construído. Orkut e Facebook não vão abrir mão da grande massa trabalhadora que aduba diariamente as suas fazendinhas :) E o povo que procura griffe na rede vai ficar dividido entre o ambiente exclusivo e a algazarra do parque de diversões.
Bons estudos nesta área!

abraços!

Maria Fernanda Lacerda Pereira (julho 28, 2010 2:30 PM) disse:

Acredito que as relações entre pessoas foram marcadas ao longo do tempo pelo preconceito de forma geral. É inútil negar. Não estou defendendo o preconceito, mas destacando que ele existe por todas as partes e não seria diferente no mundo virtual.
Outro aspecto importante é o nicho de mercado. Cada público se identifica mais com determinadas características e isso também é notório. Para anunciantes, por exemplo, essa divisão de mercados-alvo é extremamente útil..
Abraços

http://contextoweb.wordpress.com

Sérgio Rocha (julho 28, 2010 3:16 PM) disse:

Se o preconceito existe na sociedade, qual o espanto de ele se reproduzir nas "redes sociais"? Estranho seria se isso não acontecesse. Não acho que isso mereça um estudo mais apronfundado. Afinal, o problema não está nas redes sociais, o preconceito não surgiu nelas. Elas apenas reproduzem o que já existe na "rede social real".

Leonardo Henrique (julho 29, 2010 9:01 AM) disse:

E outra... tenho lido muuitas vzs, até uma revista especializada em Internet já tocou no assunto, que há um pensamento preconceituoso e rasteiro de que toda vez que há presença de pessoas notoriamente de classes mais 'populares' no Twitter e Facebook, muita gente diz q tá "Orkutizando"

tejo (julho 29, 2010 5:04 PM) disse:

"as questões de classe (aqui entendendo classe na erspectiva marxiana) continuam bem presentes, (...)"

Mas é claro. Orkut, Facebook, Twitter, está tudo na superestrutura. Sempre irão refletir a base material da sociedade.

Uso todos eles, mas nunca vi nada demais no Facebook. Prefiro o Orkut, sim.

Cíntia Dal Bello (agosto 15, 2010 1:34 PM) disse:

Raquel, parabéns pelo post. As questões foram muito bem observadas. Motivou-me a escrever alguns apontamentos sobre o assunto para, quem sabe?, avançarmos nas análises e discussões. Um abraço! (Aproveito para dizer que admiro muito a seriedade do seu trabalho). Segue link do post: http://cintiadalbello.blogspot.com/2010/08/facebook-e-classe.html

Reinecken (agosto 18, 2010 9:54 AM) disse:

É... não tinha me dado conta da quantidade de criminalidades que a escola atribui ao Orkut. E, também, a maioria dos professores que conheço não usa sequer o e-mail direito. Mas, hipocritamente, falam e gostam do orkut. E às vezes, se relacionam com seus alunos por lá.

Livia (agosto 18, 2010 9:59 AM) disse:

Raquel,
O maior problema do orkut não foi a populaização da ferramenta e sim o desrespeito como os brasileiros interagiram nela. Um exemplo eram as discussões em comunidades que sempre indicavam a lingua oficial. Os brasileiros eram os únicos que se achavam no direito de ler um post em inglês e respondê-lo ou comentá-lo em português. Não vou nem entrar na questão de spam e agressões.

Sem civilidade e respeito ao próximo não há convivência. Já começamos a ver sinais desse comportamento no Twitter. Graças a comportamentos desse tipo é que os brasileiros são cada vez mais estigmatizados como baderneiros e sem educação.

Sérgio BR (agosto 18, 2010 10:11 AM) disse:

A nossa classe média (A/B) não consegue realmente encarar a ascensão social das classes mais pobres (D/E) como uma coisa positiva ou natural.

A maioria das pessoas que eu conheço ficaria até mesmo constrangida se a sua empregada doméstica a incluísse na lista de amigos do Orkut, muito mais do que aquele colega de trabalho mala que adiciona você no Facebook ou no Linked In e você não tem como rejeitar.

Mas é assim que vivemos. Se esta mesma pessoa encontrar esta mesma empregada em um casamento, por exemplo, não saberia o que fazer.

Beto Galetto (agosto 18, 2010 3:01 PM) disse:

Embora não dê para negar que existam casos de preconceito, acho que a questão principal não é essa, e sim a "poluição" que tomou conta do Orkut de tempos para cá.

Pegando meu caso como exemplo: minha página de recados foi tomada por recados automáticos com anúncios de festas. Fui obrigado a bloquear dezenas de pessoas para deixar a coisa mais tranquila, mas mesmo assim ainda sofro desse mal.

Já nas comunidades, fica difícil de ter uma discussão decente, já que os fóruns estão tomados por anúncios das coisas mais bizarras e de posts sem coerência alguma, cheios de cores e formatações estranhas.

Acredito que o ponto aqui é que, devido a enorme popularização do Orkut no Brasil, muita gente começou a tentar tirar algum proveito da rede, e isso acabou poluindo a coisa de uma forma que é difícil ter volta. Por isso a migração para o Facebook, que devido a interface considerada menos amigável, ainda inibe esse tipo de prática (embora isso já esteja começando a acontecer aos poucos).

Resumindo: Não é preconceito. É muita gente fazendo mau uso da ferramenta.

Beto Galetto (agosto 18, 2010 3:40 PM) disse:

@Sérgio BR
Cara, não se trata de ascensão social. As classes mais pobres continuam pobres e sempre vão existir. O que mudou foi o acesso à tecnologia.

Por R$1, qualquer pessoa pode passar uma hora na internet em uma LAN house.

Livia (agosto 19, 2010 8:53 AM) disse:

@BetoGaletto
Cara, concordo com vc. Chamar a inclusão digital de ascensão social é um erro. Como vc colocou: o mau uso da ferramenta provoca evasão de usuários. É igual a um vizinho barulhento e inconveniente: aqueles que podem se mudam rapidamente pra fugir do incômodo. As regras da boa educação continuam valendo na internet e mais, ainda temos que respeitar as novas regras de etiqueta virtual.
Sds

elaine (setembro 12, 2010 11:15 PM) disse:

Bom ,eu uso o orkut há tres anos e confesso que já vi de quase tudo por lá.. mas as vezxes acho que nem sempre as pessoas que estão na fevela e´que estão favelizando o orkut .Vejo muitos casos de pessoas (de nível) com status que estudam nas melhores escolas e receberam a melhor educação no orkut fazendo e mostrando horrores.Nesse caso seria como já disseram aí :falta de educação e mau uso mesmo de uma coisa que poderia mesmo beneficiar muita gente e as pessoas só querem mais e´vandalizar ,isso porque acham que net e´terra de ninguém ...Também uso o facebook ,mas já estou acostumada a usar o orkut mesmo ..

Yuri (outubro 27, 2010 6:27 PM) disse:

Olha! É o seguinte... Eu gostava do orkut no começo, mas com os anos o orkut foi apenas piorando; crescimento de perfis fake, comunidades a favor da violência e drogas, Hackers invadindo e hackeando orkut dos outros e enfim muitas coisas que me desagradou. Sendo assim eu resolvi migrar para Facebook que tem muito mais segurança e privacidade. Sou da classe média e acho que não tem nada haver as pessoas de todos os niveis de classes sociais usarem o facebook.

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