[09 de agosto de 2011]

Pôneis e outros memes, TTs e Contexto

ponei.jpgUltimamente tenho visto, cada vez mais, as pessoas comentando que uma ou outra marca "tem sucesso" nas redes sociais quando tem um grande número de menções ou quando algo a seu respeito é "viralizada". E eu sempre fico pensando se há um acompanhamento mais crítico do que significa isso. Do meu ponto de vista, esta é uma maneira muito simplista de ver as coisas. A comunicação humana é complexa. O fato de alguém estar falando da sua marca ou ter um determinado meme a seu respeito circulando não é automaticamente algo bom.

Sobre memes

Memes são idéias, padrões de informação, que circulam "mente a mente". A ciência que estuda isso é a Memética (vide Richard Dakins, Susan Blackmore e outros) e o objetivo é entender as formas culturais como análogas aos sistemas biológicos, passíveis de evolução, onde os memes são análogos aos genes. Isso significa que nem todo o meme é necessariamente viral. Vários memes são perdidos na "corrida evolutiva". Um meme viral é um fragmento de informação que conseguiu se reproduzir no caldo cultural de forma mais eficiente. O meme também raramente permanece o mesmo. Enquanto é absorvido pela cultura, ele muta, transforma, adquire novos sentidos, é associado com outras idéias, descarta pedaços. O meme pode existir sobre os conceitos mais diversos e mais diferentes e gerar sentidos que não foram imaginados na sua origem. Bem, essa é a idéia acadêmica em cima da coisa. Na prática, o que isso quer dizer?

É preciso entender o contexto

Os memes nem sempre significam o que queremos que signifiquem. São orgânicos, criam novos contextos e juntam-se com novas idéias. Por isso, entender o contexto em que esse meme circula é fundamental. Imaginemos que sua marca é uma das mais citadas no Twitter. Isso é bom? Nem sempre. É preciso analisar o contexto dessas citações. Memes são mutantes, e as pessoas que os reproduzem, capazes de gerar novos sentidos a seu respeito. Contextos sobre os quais você às vezes não tem controle, perpassam as comunicações nessas ferramentas. No domingo a noite, por exemplo, enquanto o Lollapalooza transmitia o show do Foo Fighters via YouTube ao vivo, uma quantidade imensa de pessoas comentava, "cantava" e falava da banda. Enquanto isso muitos outros usuários logavam e "pegaram o bonde andando" e perguntavam por que todos comentavam sobre a banda. Ou seja, faltava-lhes contexto para entender o que acontecia.

O contexto é algo extremamente complexo de ser recuperado na mediação do computador, porque é dinâmico, e existe em macro e micro escala. Na micro escala é construído durante a interação, pelos atores, que vão dando "pistas" do sentido que estão construindo. Na macro, o contexto é também sistêmico, dependente das interações anteriores, do universo de sentidos que cada ator domina, da história e da cultura de cada um. No caso do Foo Fighters, faltava o "histórico" do assunto, faltava o conhecimento de parte do macrocontexto. Ou seja, o fato de todo mundo estar falando da banda não necessariamente refletia no festival e na sua organização. Para muitos, aconteceu apenas a coincidência de algumas pessoas falarem do Foo Fighters.

No meme viral, partes são descartas e re-significadas

Contexto também é elemento de sentido para os memes que é alterado nos processos de difusão de informações. E marcas também podem ser memes, associando-se a fragmentos de informação e tentando criar contextos e sentidos novos (que é parte do trabalho da Publicidade e do Marketing). Só que o domínio do contexto é muito difícil. Assim, quando uma informação como "Não é assim, uma Brastemp" viraliza*, você tem um contexto que precisa ser universalmente percebido para que sua campanha atinja o resultado que se espera. As pessoas precisam apropriar esse meme e seu contexto nas suas interações cotidianas até que "Brastemp" vire sinônimo de "coisa boa". No caso, toda a fala foi viralizada. Quando isso acontece, temos um meme viral que tem resultados positivos para outro meme - a marca. A apropriação foi legal para a marca, construindo um sentido discursivo positivo que virou contexto para outras falas. Agora vamos pensar em outro exemplo, bem mais atual: os pôneis. Interessantemente, temos dois fragmentos aqui: os bichinhos e o produto. Os pôneis viralizaram. Viraram sinônimo de "não conseguir tirar da cabeça". Viraram trending topic. Geraram contextos novos, novos filmes, paródias, charges, têm vida própria. Mas... e o produto? Quantas pessoas lembram do nome do carro que foi anunciado?

A estratégia pode ser tornar o pônei um viral e depois usar para conectar na marca. Não sei. Mas o fato do pônei ter viralizado não significa que a marca também tenha e muito menos, que o resultado isso vai ser bom para a construção do contexto da marca. E é esse sentido que influencia a decisão de compra final. Se eu for comprar um produto hoje e ficar em dúvida entre duas marcas, o que vai pesar nessa decisão? Primeiro e sempre, recomendação. Segundo, minhas "impressões" sobre a marca, ou seja, os "ecos" dos sentidos construídos a respeito dela que sou capaz de acessar. Os fragmentos dos memes que ficam na minha cabeça e que constróem contextos positivos a respeito da marca. A viralização da Brastemp tem um claro efeito sobre isso ("brastemp é melhor"). Os pôneis, nem tanto.

Na apropriação, os contextos são modificados. Ou seja, para viralizar uma informação, é preciso ter em mente que ela passa por um processo "evolutivo" e que partes da informação são modificadas, partes são descartadas. Especialmente se você pegar partes muito fortes e muito fracas, a tendência é que só uma parte viralize. Por exemplo, dê uma busca pelas imagens dos "pôneis malditos". Certamente você vai encontrar centenas de reinterpretações da idéia da "maldição". Mas nenhuma (ou quase nenhuma) do produto, que acabou sendo a parte "descartada" da informação, o meme que não sobreviveu.

Tudo isso para dizer que conseguir um meme viral nem sempre é o que se precisa e nem um sinônimo de sucesso numa campanha. Tudo depende do resultado desejado. Por isso que chamo a atenção para pensar criticamente esses processos e entender como os memes funcionam e como o sentido pode ser construído (e alterado!) atraves deles.



* Cito deliberadamente a Brastemp para mostrar também que viral não é sinônimo de Internet. Idéias já tornavam-se virais (ou memes) muito antes do advento do digital. O digital potencializa o fenômeno.
por raquel (09:08) [comentar este post]


Comentários

bruno trindade (agosto 9, 2011 9:52 AM) disse:

Excelente texto. Parabéns.
Gostei da observação no final, sobre "as ideias já tornavam-se virais muito antes do advento digital". O termo "viralização" é utilizado em excesso e poucas vezes com propriedade. Na minha singela opinião, não concebemos campanhas virais, as ideias viralizam, independente das intenções originais das marcas/agências.
Mas outros bons exemplos de campanhas que viram memes na era pré-digital são "Não esqueça minha Caloi" ou "compre Batom".

Renata de Souza Prado (agosto 12, 2011 1:02 PM) disse:

Parabéns pelo post, Raquel!! Sou mestranda em comunicação e fico muito feliz quando leio textos com uma análise mais profunda. :)

Paulo Victor (agosto 13, 2011 10:24 AM) disse:

Texto muito esclarecedor, Raquel. Gostei bastante. Só tem um ponto que eu gostaria de acrescentar, justamente por ter vindo da Publicidade: você mostra um claro movimento de associar a marca a um meme de uma maneira que antes não era feita. No caso da Brastemp, o elo estabelecido era positivo; no dos pôneis, parece até neutro. Lembra-se da marca não pelas qualidades que lhes são impostas, mas pela brincadeira viralizada (aliás, lembra-se mesmo? Por que falamos dos pôneis e não do anunciante?). Você bem deixa claro isso no parágrafo que inicia com "A estratégia...". Não sei se isso é bom ou ruim, nem ligo pra isso, mas, adicionando outra perspectiva para tentar entender o fenômeno, acho até que estamos diante de uma resposta ao cinismo dos anunciantes, como se nem mesmo os publicitários suportassem mais sustentar tantas mentiras ao mesmo tempo. É uma resposta um tanto quanto sonsa também, mas pelo menos o público agradece e viraliza também :)

raquel (agosto 15, 2011 11:00 AM) disse:

Oi Paulo! Você tem razão.Também não sei se associações neutras são, realmente, "neutras"... Acho um desafio entender essas questões. :)

raquel (agosto 15, 2011 11:01 AM) disse:

Isso aí, Bruno! :)

raquel (agosto 15, 2011 11:07 AM) disse:

Obrigada, Renata :)

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