[01 de junho de 2010]

Sites de Rede Social e Apropriação: Uma discussão

Um dos conceitos que tenho pensado como mais relevante para discutir as práticas nos chamados sites de rede social (SRSs) é a apropriação. Sabemos que todos esses sites possuem características gerais similares (publicização da rede social, construção de perfil público, interação e etc.). No entanto suas práticas sociais são diferentes, porque são criados sentidos diferentes pelas redes sociais expressas neles. Ou seja, embora Orkut e Facebook, por exemplo, sejam similares, por conta de pequenas diferenças entre as duas plataformas, um mesmo indivíduo pode usá-las de modo diferente. Pensando um pouco a esse respeito, fiz o gráfico abaixo. A idéia é posicionar cada ferramenta de acordo com a apropriação, em dois eixos.

srs.jpg

No primeiro eixo, horizontal, discuto a apropriação conversacional ou informacional. Todas as redes sociais servem como vias para a circulação de informações. No entanto, algumas ferramentas espelham redes sociais mais "informativas", ou seja, mais dispostas a fazer circular informações e a valorizar essas informações. Outras, são mais "conversacionais", ou seja, valorizam mais a conversação entre seus membros. No primeiro caso, os valores construídos pelas redes estão diretamente relacionados à informação, ao debate, ao conhecimento (capital social cognitivo). No segundo caso, os valores estão mais relacionados à criação e a manutenção das próprias redes (capital social relacional).

No segundo eixo, vertical, discuto a abertura da rede. Quanto mais direcionada aos laços fracos (conhecidos), mais interconectadas e amplas são as redes sociais expressas na ferramenta em questão. Quanto mais direcionada aos laços fortes (amigos), mais "fechada" é a ferramenta, ou seja, mais clusterizada em pequenos grupos. Assim, se o site é mais aberto, está mais valorizado o alcance das informações, por exemplo. Se é mais fechado, essas informações têm mais valor para um pequeno grupo. Do mesmo modo, quanto mais fechado e conversacional, mais fortes tendem a ser os grupos ali presentes. Quanto mais aberto e conversacional, mais difícil é a interação e mais fracos são os grupos ali presentes.

Aberto Informacional

Assim, no primeiro quadrante, coloquei a categoria "aberto informacional", ou seja, sites que são mais abertos e que são mais focados em informação (observe-se, no entanto, que quanto mais próximos dos limites, mais outras apropriações também aparecem). Uma ferramenta desse tipo é valorizada pela informação que circula nela. É o caso do Linkedin. O maior valor do site está na abertura das redes (é possível ver vários currículos) e nas informações publicadas (currículos). Logo, o maior valor está no alcance das informações que ali circulam (quanto mais gente interessada ver seu currículo, melhor). No Twitter também observamos essa apropriação. A tag #vouxingarmuitonotwitter, por exemplo, é emblemática. (Se você reclamar no Twitter, as pessoas vão reverberar sua reclamação e talvez você consiga ser ouvido.) O Twitter, assim, também tem como grande valor a circulação de informações e a abertura das contas é fundamental para isso.

Fechado Informacional

Essa é uma categoria mais difícil, pois é raro um SRS conseguir valor em informações para redes mais fechadas. Mas um bom exemplo é o Geni, um site que auxilia na criação de árvores genealógicas, permite que você crie um perfil com sua família e saiba das atualizações do seu grupo familiar (nascimentos, aniversários, etc.). É um site puramente focado na divulgação de informações, mas atinge aí um grupo fechado (embora, dependendo do tamanho da família, seja complicado falar em "laço forte"... :-) As informações interessam a esse grupo, que também vai usar de outras ferramentas para manter os laços sociais. Nessa categoria também coloquei o Flickr porque, embora também tenha um pouco de conversação, é cada vez mais sua apropriação por grupos específicos, como forma de simplesmente informar (divulgar fotografias) dentro desse grupo, mais do que comentá-las.

Aberto Conversacional

Essa é a categoria por excelência dos sites de rede social. No entanto, observo que cada vez mais eles se distanciam delas. Essa categoria prevê o uso da ferramenta para ampliar a rede social, conquistar novos amigos e participar de novos grupos. Embora essa fosse a apropriação inicial da maior parte dos SRSs, com o passar do tempo, esses começaram a ficar mais fechados (as pessoas param de adicionar novos nós a sua rede, passam a interagir e a conversar menos etc.). Vi, por exemplo, que o Facebook tem sido mais informativo e mais fechado para a rede social mas próxima (talvez por conta das preocupações com a privacidade e das milhares de notificações dos apps). Já o Orkut era super conversacional, mas tem passado cada vez mais a ser um mural de novidades da rede social (portanto, mais informativo). Apesar disso, o Orkut ainda mantém forte a característica da conversação, seja nos comentários de fotos e updates, seja pelos scraps.

Fechado Conversacional

Aqui coloquei a categoria dos grupos mais fechados. Nesses sites, observei uma maior ocorrência de interações entre um mesmo grupo, delimitando mais as fronteiras da rede e tornando a ferrmenta mais clusterizada. Os valores aqui são todos aqueles direcionados ao segundo nível de capital social, ou seja, à manutenção do próprio grupo, ao aprofundamento dos laços sociais. Por conta desse valor exacerbado para pequenos grupos, essas ferramentas também podem ser mais acessadas e compreender uma maior quantidade de trocas entre esses indivíduos.

Esse post é uma tentativa de discutir um pouco mais os sites de rede social do ponto de vista da apropriação simbólica. Claro que essa minha proposta gráfica não é final, mas baseada em algumas observações, experiência e pesquisa. Analisando por esse lado, penso que dá pra pensarmos em muitas coisas interessantes nesses sites e em como o fato de uma ferramenta se denominar "site de rede social" não quer dizer necessariamente que ela terá o mesmo uso que outra da mesma categoria e nem sequer que os valores que surgirão dessas práticas serão os mesmos.
por raquel (08:32) [comentar este post]


Comentários

Felipe Cortez (junho 1, 2010 11:34 AM) disse:

Prof. Recuero, seu post me fez pensar sobre qual seria a localização da plataforma Ning no gráfico proposto. Por se tratar de uma plataforma super personalizada, penso que a sua localização depende muito da apropriação simbólica específica que um dado grupo de indivíduos dela faz. Estou estudando a apropriação que ocorre em uma rede social de artistas-articuladores, chamada Rede Teatro d@ Floresta. Em alguns meses de observação, pude levantar algumas características das apropriações, que se relacionam estreitamente com as dimensões informacional e conversacional. Meu desafio hoje é construir a metodologia deste trabalho de conclusão de curso. Gostaria de trocar idéias sobre este TCC com a senhora por e-mail.

Um abraço de Belém do Pará,
FC

Sétimo semestre de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo da UFPA

Nauri Júnior (junho 2, 2010 3:53 AM) disse:

Olá.
Sou professor de Marketing de ensino técnico e gostaria muito de trocar algumas ideias contigo.
Na verdade preciso de sua ajuda, mas não tenho o teu e-mail.
Se puderes entrar em contato para eu lhe explicar melhor eu agradeço.
Parabéns pelo site e tens um excelente currículo, diria invejável.
Abraços,
Nauri Júnior

leonello santini jr (junho 2, 2010 8:43 AM) disse:

Bom dia Raquel.
Não entendi o inicio do segundo parágrafo,abertura de rede.

raquel (junho 2, 2010 8:54 AM) disse:

Oi!
Quanto mais focada nos laços fracos, mais aberta é a rede, pois há um número maior de nós e conexões. Quanto mais focada nos laços fortes, mais clusterizada é a rede, menor é o número de conexões e de atores envolvidos. Lembrando, claro, que uma rede social nunca é totalmente fechada - a menos que o ator em questão seja um eremita que vive em uma comunidade remota (embora ela possa ser expressa como fechada em uma determinada ferramenta).

Renata Cunha (junho 5, 2010 11:32 PM) disse:

Olá Raquel, sou jornalista e também tenho interesse nos sites de rede social. Queria saber sua avaliação sobre a rede CouchSurfing. Em qual dos quadrantes esse site estaria mais inclinado a estar?

Abs e parabéns pelo trabalho! Você integra o time dos pioneiros dessa discussão no país.

raquel (junho 6, 2010 9:25 AM) disse:

Oi Renata!
Não sei sobre o Couchsurfing, teria que primeiro pesquisar/ler pesquisas sobre ele para poder integrar no gráfico.

Emilly Garcia (junho 6, 2010 2:35 PM) disse:

Olá, Raquel. Meu tcc é sobre o site Parada Lésbica, que possui uma rede social, o Leskut, ambos voltados ao público homossexual feminino. Observei que o Leskut proporciona a interação entre as usuárias, mas só entre elas, ele é totalmente fechado. Assim, seria ele um site fechado conversacional? Caso você queira dar uma olhada, o endereço é www.leskut.com.br.
Abs e obrigada pela contribuição sobre o assunto.

Niva Silva (junho 8, 2010 12:29 AM) disse:

Olá Raquel,
você já pensou na apropriação como um índice de ineficácia do Design?

Quero dizer, toda vez que alguém precisa reinventar a função de um recurso de um site para satisfazer sua necessidade, pode-se concluir que o design não foi capaz de prever aquela necessidade ou projetar uma solução para ela.

Estou pesquisando o Metadesign como caminho para transformar essa disputa entre designers e usuários em cooperação.

Bruna Deitos (junho 8, 2010 7:55 AM) disse:

Ótimo post Raquel. É nesse sentido que caminha meu Trabalho de Conclusão de Curso. Eu estou analisando a conta de cinco jornalistas no Twitter para perceber qual a apropriação que eles tem feito da ferramenta.
Seus escritos já me ajudaram muito na definição de conceitos e este post continua me ajudando na finalização do TCC. Parabéns pelo trabalho!

Abraço,
Bruna

Pablo (junho 10, 2010 5:30 PM) disse:

Muito interessante Raquel. Vc vai participar de algum dos eventos que acontecem em São Paulo, o Social Media Brasil e o Info@Trens?

Mariela Castro (junho 17, 2010 4:29 PM) disse:

Raquel, interessante a sua classificação. Mas discordo dela em alguns pontos. Por exemplo, acho que o LinkedIn não pode estar na categoria de "aberto informacional". É fato que ali você pode ver com facilidade os currículos, mas ele tem uma série de grupos de discussão que fortalecem os laços e favorecem a criação de uma rede forte de contatos e interação real.
Da mesma forma, o Twitter. Para quem sabe usar profissionalmente,´é canal precioso para troca de informações e interação com pessoas de áreas de interesse similares.
Eu estabeleci redes extremamente sólidas, com pessoas até então desconhecidas, nesses dois canais que você julgou meramente informativos.
Acho que, como em todas as redes sociais, há usuários mais ou menos envolvidos, mais ou menos interessados em criar ligações reais, mais ou menos interessados em apenas ser espectador ou efetivamente contribuir para a discussão.
abraços, Mariela

Erica Peroni (junho 29, 2010 2:20 PM) disse:

Oi Raquel,
minha dúvida é muito parecida com a do Leonello.
No segundo parágrafo, vc descreve:
"No segundo eixo, vertical, discuto a abertura da rede. Quanto mais direcionada aos laços FRACOS(conhecidos), mais interconectadas e amplas são as redes sociais expressas na ferramenta em questão. Quanto mais direcionada aos laços FRACOS? - não seria FORTES????(amigos), mais "fechada" é a ferramenta, ou seja, mais clusterizada em pequenos grupos.
Se nos dois tópicos são laços fracos, eu não consegui entender...

raquel (junho 29, 2010 6:39 PM) disse:

oi!
É FORTE sim, desculpem. :D Já corrigi.

José Roberto (julho 6, 2011 10:13 AM) disse:

Prof. Raquel Recuero,
Parabéns por sua análise. Uma bela ajuda tanto para quem estuda o processo de formação e interação nas redes sociais quanto para quem trabalha com redes.

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