[19 de julho de 2008]

Sobre a Democracia e as Redes Sociais na Internet

selocensuranaobr.jpgNo Brasil hoje temos uma democracia representativa, ou seja, aquela onde nós, cidadãos, elegemos aqueles que deveriam representar-nos ao propor, votar e aprovar (ou não) projetos de lei que beneficiassem toda a sociedade. Obviamente que, num país como o Brasil, depois de eleitos, a maior parte desses representantes fica "meio livre" para fazer o que quiser, porque dificilmente conseguimos informarmo-nos do que cada um faz, propõe e aprova (ou não). Assim, o Senado e a Câmara são, quase sempre, "fiscalizados" pela mídia de massa, que duas por três comenta o "esvaziamento" das sessões (sendo que deputatos e senadores trabalham apenas de terça a quinta, com imensos recessos de "férias" pagos pelo bolso do contribuinte) ou algum processo de corrupção mais "forte".

Com o advento da Internet, isso começou a mudar. Principalmente porque a rede, como o Palacios explicou em um artigo lá da década de 90, foi o primeiro meio com alcance potencialmente massivo que disponibilizava também a interatividade. Com o surgimento das ferramentas de publicação (que facilitaram o processo), com o aumento do número de brasileiros com acesso, com o interesse do capital na Rede (sim, porque esse interesse foi também um motor importante da Internet no Brasil), algumas coisas importantes começam a mudar. E uma das principais mudanças, no meu ponto de vista, é o crescimento de um potencial crítico e participativo de massa. Mais e mais pessoas começam a se interessar por novas informações, essa demanda gera mais e mais veículos informativos e mais veículos críticos. Blogs de notícias, política e etc, começam a surgir e a fazer uma cobertura totalmente offmainstream no Brasil. Mais e mais cidadãos começam a ler projetos de lei, criticá-los em seus blogs e exigir mudanças. Ao mesmo tempo, a estrutura da Internet, em forma de rede, permite que mais e mais atores conectem-se e comecem a utilizar essas topologias como forma de ação política. No início, começam a surgir as flash mobs, depois as smart mobs e os protestos de grande alcance. E subitamente, todo esse processo de conexão da rede social, entre atores, grupos sociais e (inclusive, obviamente, grupos marginais) começa a ganhar cada vez mais importância no cenário da política no Brasil. Lembro do blog do Vizinho do Roberto Jefferson, fonte para muitas matérias da mídia tradicional, por exemplo. Ou das denúncias irônicas da Nova Corja, cada vez mais debatidas na blogosfera e que geram cada vez mais preocupação entre alguns políticos.

A Internet proporcionou a construção da esfera pública per se. Um espaço onde os cidadãos podem sim, discutir, construir, protestar, conectar-se em uma escala nunca vista. O potencial articulador das redes sociais proporcionadas pela Internet é imenso. Assim como o seu potencial criativo, educacional e democrático. Novas mobilizações são criadas, novos espaços de debates, novas formas de vigilância sobre o poder público, o capital e os direitos e garantias individuais sacramentados pela Constituição Federal.

O problema é que esse potencial realizado começa a incomodar muita gente. Quando os blogs começam a discutir um projeto de lei, quando uma petição contra o projeto começa a juntar 60 mil assinaturas, quanto especialistas, professores, advogados e cidadãos começam a discutir um projeto de lei, o que acontece? Ele é aprovado às pressas no Senado. Mais do que isso, pede-se sua aprovação, às pressas, na Câmara. E eu me pergunto se uma lei ruim e rápida é melhor do que uma lei bastante discutida e debatida e um pouco mais lenta. Ainda mais um projeto de lei que recebeu inúmeras críticas. A quem agrada a aprovação "rápida" do mesmo? Que tipo de crime está previsto ali que já não podia ser enquadrado anteriormente? Estará o Brasil sob um ataque massivo de cibercriminosos nas últimas semanas?

Fico pasma que, ao invés de querer aproveitar o potencial das redes na Internet para promover a democracia, a transparência e os valores éticos de um Estado de Direito, o governo federal faz tudo ao contrário. Quer cercear, punir, impedir, esconder. Ao invés de discutir, proporcionar o debate, desqualifica-se o oponente e ridiculariza-se a discussão.

Não que eu ache o cibrespaço como o Paraíso na Terra. Mas acho que a Internet é uma ferramenta de organização social como nenhuma outra. Nunca pudemos acompanhar tão de perto o que os "nossos representantes" fazem. Nunca pudemos gritar tanto e tão forte quando seus projetos de lei não servem à sociedade. Nunca pudemos ter acesso a tantas informações e discutí-las e debatê-las e posicionar-mo-nos. É claro que, com as benesses, temos os problemas. Mas meu objetivo, com este texto, é fazer pensar um pouco mais no que representa o cerceamento à liberdade na Internet, a que tipos de interesse esse cerceamento atende e, sobretudo, lembrar que o projeto do senador Azeredo está com votação de urgência requerida na câmara, para que seja votado o mais rápido o possível, sem o necessário tempo de leitura e discussão da nova lei. (Discussão esta que os blogueiros parecem estar fazendo em lugar dos representantes no Congresso.)

Este post faz parte do Dia da Blogagem Política, que conclama blogueiros a discutir e a escrever sobre as questões da Internet, da Censura, da política e do PL 89/03.
por raquel (09:42) [comentar este post]


Comentários

Fábio (julho 19, 2008 11:16 AM) disse:

É uma pena mesmo que eles pensem que nós somos trouxas. O brasileiro não é nenhum modelo no que diz respeito à participação no sistema democrático, mas isso está mudando - muito, graças à internet.
Também fiz meu post para o Dia da Blogagem Política. Mas já tinha achado seu blog um pouco antes (muito bom, aliás) :-)
Abraço

chicoelho (julho 19, 2008 11:19 AM) disse:

Bem didático seu post mostra claramente o interesse político em aprovar uma lei que sem duvida vai beneficiar os nossos representantes no congresso, mas o que me deixou mais irritado foi o autor desse malfadado projeto,que foi o primeiro a se beneficiar do valerioduto.

Abç

rodolpho (julho 19, 2008 11:26 AM) disse:

Com certeza a Internet oferece um conjunto de ferramentas novas para a democracia, mas eu sou da posição que tais ferramentas não só auxiliam, mas demonstram como a forma como a democracia está implantada simplesmente não escala, não funciona para um Estado tão grande.

Talvez seja tempo para imaginar como utilizar estas novas ferramentas para construir um novo formato de representação. Uma "democracia tecnológica" se me permite.

Abs

Thiago Hirai (julho 21, 2008 4:13 AM) disse:

Comentário sem contexto: deixei um meme pra ti lá no Gondolin.

Luiz Navarro (agosto 6, 2008 3:18 PM) disse:

Pois é, Raquel. E não me surpreendo se, de um dia para o outro, aparece a notícia nos jornais (os mesmos que se recusam a também abordar o tema mais a fundo) de que o tal projeto foi aprovado na Câmara.

Michell Niero (julho 29, 2009 4:10 AM) disse:

Olá, como vai?

Antes de tudo, parabéns pela iniciativa de utilizar seu blog para unir pessoas em torno de alguma causa. Assim como você, acreditamos no potencial da blogagem coletiva como formato possível de união e mudança na sociedade.

Criamos recentemente o blogagemcoletiva.org (www.blogagemcoletiva.org). Trata-se de um agregador de conteúdo voltado à divulgação de mobilizações coletivas realizadas via internet.

A idéia é tanto auxiliar o blogueiro a potencializar suas manifestações como também divulgar os resultados obtidos através de sua iniciativa. O funcionamento é semelhante ao de indexadores como Uêba, Ocioso e Linklog. Tudo pode ser feito sem a necessidade de cadastro. O blogueiro nos envia sua manifestação por meio do link “envie uma blogagem” presente no topo da página e, se tudo estiver dentro das nossas políticas de publicação, ela será divulgada no site.

Ah, e para incentivar a adesão da blogosfera nós criamos um ranking, onde os visitantes podem declarar por meio do voto sua participação ou apoio à causa. A manifestação mais votada a cada semana ganhará destaque especial no site.

Podem ser blogagens coletivas, memês, petições, campanhas, protestos e toda e qualquer manifestação válida que busque contribuir de alguma maneira com a sociedade. Por isso, junte seus (suas) companheir@s de blogagem e faça da blogosfera um mais produtivo e engrandecedor. E conte com a gente para que sua iniciativa contamine mais e mais pessoas!

Se puder divulgar a gente em seu blog, seremos muito gratos!

Viva a democracia!
Michell Niero

Comente este post