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novembro 7, 2004

Um texto profundo

Entre as muitas coisas que o Douglas Adams faz bem, em seu Guia do Mochileiro das Galáxias, é estar contando uma estória e se aprofundar um pouco em cada detalhe dessa estória, deixando de lado o enredo principal para contar tramas coadjuvantes. Me pergunto como seria levar isso a um extremo a ponto de não existir um enredo principal.

Haveria um assunto linear, como nos gibis, mas ao mesmo tempo seria impossível descobrir qual é. Mas nem gibis são muito lineares, com certeza os do X-Men não o são mas eu sempre preferi o Batman e mundo DC, exceto o Super-Homem. Grande pergunta do Seinfeld feita ao Super-Homem: "quem foi que te chamou de Super-Homem? Você se chamou de Super-Homem?? Que tipo de pessoa chama a si mesma de SUPER-Homem?".

E é verdade, Seinfeld faz grandes perguntas. Talvez por isso seja um dos melhores seriados da TV. Sim, talvez seja melhor que Friends e definitivamente melhor que o recém estreado Joey, que é horrível. Joey em Los Angeles ficou forçado e logo no primeiro episódio já colocaram uma irmã e um sobrinho-nerd para conviver com ele. Prefiro até Gilmore Girls, mesmo com a Alexis Bledel de cabelos cortados. Uma grande dúvida, porém, é se o nome dela no seriado é mesmo "Rory". Em certo episódio perguntaram quem tinha feito um vestido e ela respondeu "Lorelai Gilmore", ao que retrucaram "Você fez??" e ela "Não, minha mãe.". O que isso quer dizer? Sei que a bisavó dela chama-se Lorelai também. Lorelai é um nome estranho, mas Rory com certeza parece apelido. Por essas e por outras que eu vejo "Two and a half man", com o Charlie Sheen, e não me preocupo com questões existenciais. Gosto do Charlie Sheen, desde "Top Gang", que é um dos melhores filmes non-sense já feitos e o melhor legado de Monty Python.

Legado, é claro, em termos indiretos. Monty Python sempre foi absurdamente non-sense, algo que ninguém até hoje em filme ou seriado algum conseguiu bater. "Top Secret" chegou perto, porém, só que com seriedade. Ninguém lembra mais de "Top Secret", mas ele tinha um humor non-sense projetado, enquanto Monty Python era orgânico: não há dúvidas que nunca ninguém leu duas vezes os roteiros dos filmes, que foram feitos em algum bar depois de muita cerveja quente. São loucos esses ingleses. Eu não tomo cerveja, mas cerveja quente parece muitas vezes pior. É como Coca-Cola quente, simplesmente intragável. É de se perguntar se há alguma lei física que transforma o gosto das coisas com a temperatura. Essa lei estaria por trás das pessoas que gostam de comer pizza re-esquentada em microondas. Aliás, "reesquentada" ou "requentada"? Requentada parece vir de "requente", ou de "quentar", o que não ajuda em nada. Quentar é, na verdade, uma cidade em Granada. Suponho que lá eles esquentem coisas, daí o termo. Mas o que explicaria "Granada"? O primeiro buraco para estaquear a primeira casa foi feito por uma? E nem vamos começar com "estaquear". Estaquear é a verbalização do substantivo "estaca", está claro, mas português não é muito dado a verbalização. Não como o inglês.

O inglês verbaliza tudo. Qualquer substantivo ou adjetivo pode virar um verbo e não creio que haja algum tipo de controle sobre isso. Deveria haver alguma lei, está certo que a língua é mutante mas há limites. Acho que isso é algo essencialmente americano, eu pelo menos não consigo imaginar um inglês inventando um verbo ou, na verdade, utilizando qualquer coisa que não esteja estritamente no dicionário oficial assinado pela Rainha. Talvez possamos atribuir o Bush à verbalização. Muita gente já tentou explicar os Estados Unidos e atribuir tudo que são a algum fator cotidiano. O Veríssimo culpa seus "breakfasts" gigantescos: com tanta caloria logo de manhã não há como eles não dominarem o mundo. Eu culpo seu sistema métrico, ou não-métrico. O mundo costuma usar "metros" para medir distâncias e é simples: um metro tem 100 centímetros e assim por diante, é fácil converter entre grandezas. Tudo é multiplicação ou divisão por 10, que é simples, basta acrescentar ou remover alguns zeros no fim. Um Brasileiro conseguiria. Agora, um pé são 12 polegadas e uma milha são 5280 pés. Vá converter essas coisas no dia-a-dia. O breakfast vai todo nisso e um povo que tem que calcular esse tipo de coisa só pode ter cérebros maiores e dominarem o mundo. É claro que não é comprovado que americanos tenham cérebros maiores, já que é difícil achar um americano legítimo, exceto se ele se chamar "Grande Urso Deitado" e tentar te acertar com uma flecha. Ou, no caso, um míssil tele-guiado.

Na verdade, um míssil tele-guiado é um termo estranho. Antes existiam mísseis que não tinham qualquer tipo de controle: você o lançava e torcia para cair no inimigo. Depois houve um salto e passamos para os tele-guiados, que quer dizer que eles são guiados remotamente. Ou seja, eles são guiados. Não há necessidade do "tele", exceto se houveram mísseis que eram guiados localmente, talvez com uma pessoa montada em cima, e eu não sei. Os kamikazes não contam, aquilo não eram mísseis para todos os efeitos, mas ainda assim são fascinantes. A maioria dos povos "dariam a vida pelo país" de forma hipotética: elas vão pra guerra, mas acreditando que a morte não vai acontecer com elas. Os japoneses não, eles efetivamente deram a vida pelo país e se voluntariaram para a morte certa. E isso em um país cuja principal religião não prega um paraíso e um maravilhoso pós-morte só aumenta a fascinação. Só ainda não sei se pela coragem ou pela estupidez.

A Segunda Guerra é melhor contada por esses eventos, pela estória das pessoas, mais do que pela História dos países. Afinal, já foi dito que a História é sempre escrita pelos vencedores e, portanto, altamente não confiável. São os enredos coadjuvantes que têm de receber a atenção devida. Cada vez mais desejamos ignorar a estória principal, cheia de traição, horrores e más-intenções, e nos agarrarmos as coadjuvantes e suas estórias de honra, sucesso e coragem. Até não existir mais um enredo principal e só sobrar uma trama de aprofundamentos de enredos fracamente interconectados, mas muito mais interessantes. Como esse texto, por exemplo, só que bem feito.

6 comentarios

Muitas drogas. Raquel, onde tu estavas que deixou o Ricardo usar drogas?

Deve ser o stress da etapa final do mestrado. Ou algo assim, já que aparentemente o Ricardo não sofre de stress.

Volta pra dissertação, vagabundo!

Já voltei, já voltei!

Ué... seria uma vida normal...

vc acha mesmo q eu vo ler essa porra toda?

Sobre esta entrada

Esta página contiene una sola entrada realizada por ricardo y publicada el novembro 7, 2004 10:50 AM.

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