bb.jpg Sobre a privacidade e os sites de redes sociais - O grande assunto das últimas semanas sobre redes sociais é mesmo o Facebook Beacon. Trata-se de uma ferramenta criada para os anúncios publicitários no Facebook. A idéia era que o Beacon permitiria que os anunciantes usassem o grafo dos usuários do FB para desenvolver propagandas bastante direcionadas a seus usuários. O sistema funcionava a partir do momento onde os sites dos "parceiros" (como o NYT e a Coca-Cola) colocavam um javascript do FB no seu sites com certas informações que eram enviadas de volta ao sistema do Facebook com gostos e desgostos do usuário. Por exemplo, imagine que você estava comprando, digamos, o novo livro do Harry Potter em um site parceiro do FB. O site enviaria um pop-up perguntando se você quer publicar essa informação no Facebook. Só que, se você dissesse "não", a informação não apareceria para seus amigos mas o FB ainda a receberia e poderia utilizar para fazer anúncios de outros livros do Harry Potter em seu perfil. Em outras palavras, se você fosse um membro do Facebook, o site conseguiria traçar todos os seus passos junto aos sites parceiros.

Bem, o que era para ser uma ferramenta discreta, tornou-se uma grande polêmica. Os usuários sentiram a invasão e um gigantesco debate sobre a privacidade no Facebook vem tomando forma nas últimas semanas tanto dentro do próprio sistema (um enorme número de comunidades pedindo privacidade) quanto na mídia. A controvérsia foi tão grande que o Mark Zuckerberg fez ontem uma postagem no blog oficial do FB explicando quais eram as intenções do Beacon, dizendo que (agora) era possível desabilitá-lo completamente e pedindo desculpas aos usuários.

This has been the philosophy behind our recent changes. Last week we changed Beacon to be an opt-in system, and today we're releasing a privacy control to turn off Beacon completely. You can find it here. If you select that you don't want to share some Beacon actions or if you turn off Beacon, then Facebook won't store those actions even when partners send them to Facebook.


socialnetworking.gif A polêmica do Beacon acendeu uma grande luz vermelha a respeito das informações que as pessoas compartilham em sites de redes sociais, com muitos avisos aos pais que impeçam seus filhos de colocar perfis nessas ferramentas. E, ao mesmo tempo, o debate aponta uma das grandes incoerências dos sites de redes sociais: a questão da privacidade. Nesse tipo de site, a idéia toda é que os usuários coloquem informações sobre eles mesmos nos perfis, para que os outros possam olhar. É justamente na parte de compartilhar informações pessoais com o mundo, como gostos, desgostos, ódios e amores que reside o capital social desse tipo de ferramenta. É justamente no "mostrar quem você é" (mesmo que "você" seja uma personagem e isso faz parte do jogo) que está o interesse daqueles que estão no Orkut, no MySpace, no Facebook, no LastFM e etc. A partir do momento que a guerra pela privacidade, que vem tomando forma nos últimos anos, vai abarcando mais e mais ferramentas, grande parte do valor social desses sites se esvai.

O Orkut, por exemplo, acrescentou recentemente uma ferramenta que permite tornar ferramentas como scraps e fotografias privadas (só quem o usuário determina pode vê-las). Essa ferramenta foi um pedido insistente de milhares de usuários em todo o mundo. No entanto, do meu ponto de vista, isso pode começar a sepultar o capital social que está ali. Se todos os perfis tornarem-se completamente privados (e justamente as partes mais procuradas - fotos e recados) o número de pageviews vai despencar. Parte do interesse que está nos sites de redes sociais é tornar públicas informações. Em um recente trabalho, eu estava entrevistando usuários sobre o uso do Orkut e uma das informações que ilustram bem esse pensamento é a seguinte: para muitas pessoas, a primeira coisa a fazer, depois de terminar um relacionamento, é mudar o "status" do Orkut para "solteiro". A segunda coisa é retirar todas as fotos do ex-casal do seu perfil. Para elas, é uma forma de dizer a todos que se está solteiro. Agora imaginemos que tais ferramentas fossem totalmente privadas: não haveria nenhum sentido em mudá-las, já que ninguém as pode ver. Ou seja, o ponto todo de se ter um perfil num site desses é o fato deste perfil ser público.

Se mais ferramentas de privacidade passarem a ser incorporadas nos sites de redes sociais, acredito que seu valor social será extinto e, quando isso acontecer, essas ferramentas morrerão. Não uma morte rápida, imediata. Uma morte lenta, com uma queda no interesse dos usuários (afinal, o que há para se ver lá?) e no número de pageviews.

Não estou aqui defendendo o Beacon, que considero realmente uma violenta invasão de privacidade. Estou refletindo um pouco sobre a questão da privacidade nos sites de redes sociais. O valor, digamos, econômico, desses sites está no fato das empresas conseguirem usar esses grafos para fazer anúncios. Ao mesmo tempo, há um grande movimento (não só nos EUA, mas em todo o mundo) no sentido do medo de uma espécie de Big Brother na Internet, que possa usar as informações que as pessoas divulgam na Rede para fazer mal a elas. Trata-se de uma preocupação legítima, pois isso é realmente possível (como o Cyberbulling, o stalking, o roubo de perfis do orkut e por aí vai).

Meu ponto é uma consideração muito simples: há uma contradição intrínseca no modo através do qual as pessoas têm apropriado a Internet. Uma contradição ainda não resolvida entre o público e o privado. Ao mesmo tempo em que notícias sobre o uso das informações divulgadas na Rede apavoram as pessoas, cada vez mais ferramentas que expõem as informações pessoais de seus usuários são adotadas (como os milhares de novos sites de redes sociais por aí). Para qual lado a Rede penderá nos próximos anos? Esse debate também afeta profundamente o que muita gente defende como "Web 2.0", já que parte desta estrutura está no compartilhamento de informações e na interatividade. Vale dar uma pensada no assunto. :-)