youtube.jpgApropriações de Vídeo na Internet e Redes Sociais - Várias estatísticas no Brasil e no mundo têm mostrado o crescimento do uso de vídeos na Internet. Dados do IBOPE/Net Ratings, por exemplo, mostravam que já em julho de 2006 os brasileiros dedicavam cerca de 19m37s aos vídeos na Internet. Em março de 2007, 6,52 milhões de usuários no Brasil utilizavam sites de vídeo, com mais de 5 milhões apenas no YouTube.

Agora o que isso significa? Dia 03 de janeiro, o Center for Social Media divulgou um estudo sobre as apropriações dos usuários nesses sites de vídeo, com um destaque para a questão do copyright. De acordo com o estudo Recut, Reframe, Recicle, as seguintes apropriações são percebidas:

1 ) Paródia e sátira: Material contruído para tirar sarro em cima de vídeos populares de celebridades, políticos e propagandas. Foi a categoria mais comumente encontrada pelos pesquisadores. (Um exemplo usado no estudo é o hilário vídeo Bush vs Zombies.)
2) Comentários críticos ou negativos: Vídeos contruídos para passar uma mensagem crítica ou negativa sobre alguma coisa. Um exemplo do estudo é o Clint Eastwood's The Office, que é visto como uma crítica direta ao trabalho do diretor.
3) Comentários positivos: Tributos e outros materiais construídos para uma mensagem positiva. (Exemplo: The Steve Irwin Fan Tribute.) 4) Citações para gerar discussão: Vídeos com utilizados para chamar a atenção para alguma coisa ou apontar algum discurso. Um exemplo do trabalho é o Worst Music Video Ever. Reparem que o vídeo é copiado na íntegra e não editado como os exemplos anteriores.
5) Ilustração ou exemplo: Videos utilizados para suportar uma nova idéia, com imagens e sons. Um exemplo é o vídeo Internet People, que fez animações de todos os grandes virais da Rede (muito bom, por sinal).
6) Uso incidental: Material capturado como parte de outra coisa. O exemplo deixa mais claro: o vídeo Fat Cat watching TV, onde, junto com as imagens do gato, é possível escutar vários comerciais na TV (o objetivo não era mostrar os comerciais, mas o gato).
7) Diários pessoais ou reportagens: Vídeos com material retirado de uma experiência pessoal ou crônica pessoal. O exemplo é o Me on the stage with U2 - AGAIN!!!, onde um fã é puxado para o palco e pede para tocar piano com o U2 (##inveja##).
8) Arquivo de materiais vulneráveis ou reveladores: Vídeos que poderiam ser esquecidos ou apagados ou não mostrados na mídia mainstream por causar controvérsia. Um exemplo é o documentário do Adam Curtis para a BBC The Power of Nightmares, em duas partes, que não foi exibido nos Estados Unidos e foi divulgado através do YouTube.
9) Pastiche ou colagem: Colagem de vários materias de outros vídeos para criar algo novo ou uma imitação. Um exemplo famoso é o Apple Commercial, onde imagens de um Ipod Touch são mixadas com uma música (e a Apple gostou tanto que comprou do autor).

sn.jpg O estudo discute como esses vídeos, com partes ou com vídeos com direito autoral inteiros, poderiam ser classificados como "fair use" (e logo, não sujeitos às penalidades da lei do direito autoral nos EUA). O que considero fundamental nessa sistematização é a percepção da cultura como um artefato, que pode ser modificado, reconstruído e adaptado pelos autores. Do meu ponto de vista, cada uma dessas apropriações mostra um pouco do capital social que é freqüente nas redes sociais: Esses vídeos existem porque as pessoas os valorizam e, por conseqüência, seus autores. Esse capital que é construído porque é possível colocar os vídeos em lugares facilmente acessíveis- como o YouTube, por exemplo, é o que considero essencial para a produção de conteúdo por terceiros na Internet. É justamente porque a Internet permitiu uma maior aproximação das pessoas, liberando canais de comunicação e permitindo uma maior agregação das redes sociais, que esses fenômenos podem acontecer. Produzindo uma apropriação de um vídeo ou mesmo um spoof, eu posso rapidamente mostrar aos meus amigos e obter capital social com o meu trabalho. Esse capital pode ser transformado em muitas coisas (fama, dinheiro etc.), mas principalmente, pode colocar-me em um lugar importante na rede social onde sou reconhecido pelos meus pares. Esse reconhecimento foi rapidamente apropriado pelo sistema do YouTube, que permite que cada vídeo seja classificado, comentado e que receba feedback dos outros usuários. Assim, os vídeos mais "famosos" ou "populares" recebem destaque no sistema e há uma competição explícita pelas estrelinhas e comentários.

O YouTube mostra de uma forma mais explícita - e eu acho que o estudo ajuda a compreender - como a Internet está transformando nossa cultura através desses canais de comunicação que permitem a agregação das pessoas (como os sites de redes sociais). Nunca antes se viu tantos virais atuando nas redes. Nem tantas agências estão preocupadas em entender como se constrói e espalha um meme. A mim parece que há uma relação direta com o tipo de capital social percebido e gerado para quem passa o meme adiante. Mas também há uma relação direta com a forma da rede social e o modo através do qual as pessoas se apropriam de uma determinada ferramenta (como escrevi num artigo sobre a apropriação do Fotolog). Ou seja, dependendo do tipo de capital percebido, há um tipo de difusão diferente nas redes sociais.

rede1.gifA minha hipótese é que, em se tratando de redes sociais, as pessoas percebem rapidamente, na leitura de blogs, fotologs ou sites de redes sociais em geral, quem faz parte de cada rede social. Os atores são muito bons nessa percepção e rapidamente mapeiam quem é amigo de quem e qual o grau de intimidade de cada grupo de pessoas (por exemplo, seguindo scraps no Orkut ou seguindo webrings). Assim, se temos um artefato cuja difusão é percebida como geradora de capital social relacional para a rede(citando o trabalho de Bertolini e Bravo), ou seja, o ganho percebido é relacionado ao número de amigos, ao aprofundamento ou criação dos laços sociais com outros atores, ou mesmo a percepção destes amigos de quem eu sou, a tendência é que se espalhe tanto internamente dentro dessas redes quanto externamente (atingindo os atores de forma mais uniforme). Isso porque o fato de alguém já ter publicado tal informação não decresce seu potencial gerador de capital, mas pelo contrário, o aumenta. É o caso, por exemplo, das famosas "maldições" do Fotolog. Quanto mais pessoas as responderem, mais interessante é o fenômeno para a rede.

rede2.gifJá quando temos um artefato cuja difusão é percebida como geradora de capital social cognitivo, ou seja, o ganho é relacionado, principalmente, ao nível de informação ou conhecimento da rede, a tendência é um espalhamento mais marginal, entre redes e não dentro das redes. Por exemplo, se há um vídeo que considero que contém informações cruciais para minha rede, o divulgarei. Mas é possível que meus amigos não o coloquem em seus blogs ou sites do YouTube ou fotologs. Isso porque o fato da informação já estar em algum lugar da rede social automaticamente decresce seu potencial gerador de capital (as pessoas percebem que os demais "já sabem" ou "já viram" tal informação, pois lêem o meu blog), pois a vantagem é dada àquele que publicou primeiro. Assim que essas informações não seriam, digamos, reverberadas dentro das redes, mas através das redes.

Apesar de já ter publicado alguns textos sobre esse assunto, ele ainda é incipiente e estou testando a hipótese diante de outros elementos. E há outras idéias em cima disso que estou trabalhando. Mas pensamentos e discussões em cima disso são bem-vindos. :-)