Por que o Facebook não deu (ainda) certo no Brasil


orkutfb.jpg Hoje, lendo a ZH online, deparei-me com uma matéria da Vanessa Nunes a respeito de por que o Facebook não teria "pego" no Brasil. Fiquei tentada a falar um pouco sobre isso porque pesquisei o Orkut por muitos anos (aliás, isso merece outro post) e cheguei a escrever alguns capítulos sobre sua história e a motivação dos usuários para entrar lá na minha tese (depois acabaram não entrando no trabalho). Então, vou elencar algumas razões pelas quais eu acredito que o FB não fez tanto sucesso quanto o Orkut por aqui.

1. Fator Novidade - Em 2004, quando os primeiros influenciadores brasileiros começaram a entrar no Orkut havia, muito forte, o fator novidade. Afinal, não existia nenhum outro site de rede social popular no Brasil. O Friendster, que era o site do gênero mais conhecido na época, não tinha quase usuários brasileiros, tinha uma interface difícil e mais feinha. O Orkut entrou num mercado onde não tinha, portanto, concorrente e angariou para si todo o "fator novidade". Como hoje há muitos sites de redes sociais concorrendo entre si (só para citar alguns além do FB, o Bebo, MySpace, Linkedin, Hi5 etc. etc.), o mercado já está um pouco saturado de redes sociais. Mesmo que cada um desses sites tenha um propósito e um público-alvo diferentes, o fator novidade já se esgotou.

2. Interface - Inegavelmente, o Orkut tinha uma interface muito mais amigável do que o FB. Assim, mesmo com o sistema em inglês, como era no início, ele levava vantagem sobre o FB, muito mais complexo e feio. Além disso, o Orkut permitia a todas as pessoas verem seus amigos, o que o FB não permite (só podemos ver os dois graus de separação). Ou seja, apesar do FB ser posterior ao Orkut, a Interface que ele apresenta ainda hoje é complexa demais, fazendo com que a língua (inglês) seja uma barreira. Além disso, o fato de não permitir que se vejam os amigos dos amigos gera um contraponto forte ao hábito de social browsing (xeretar o perfil alheio), muito presente no hábito de uso do Orkut pelos brasileiros.

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3. Hábitos de Uso e Custo Social - No Brasil já há um certo hábito no uso do Orkut. As pessoas usam o sistema para fazer social browsing, para saber o que há de novo na vida dos outros, para interagir com alguns amigos e expressar um pouco de quem são. Muitos destes hábitos não são possíveis no Facebook, apesar das inúmeras novidades que ele trouxe, como o API livre, o que possibilitava que as pessoas criassem jogos, testes e muitas outras aplicações diferentes do Orkut. Apesar disso, o Orkut já era, quando o FB chegou, um sistema que atingiu a maioria expressiva dos usuários brasileiros. Assim, o custo social de mudança de um sistema para outro seria muito grande. Então, as pessoas ficam lá simplesmente porque as outras também estão lá. Ou seja, para que as pessoas adotem um novo sistema, é preciso que ele ofereça algo fora do habitual para o internauta brasileiro. Neste sentido, o MySpace parece ter conseguido inovar mais, na medida em que está querendo "focar" o interesse da música.

4. Ferramentas diferentes para coisas diferentes - Uma das tendências dos desenvolvedores de sites de redes sociais é inventar sistemas que concentrem todas as ferramentas conhecidas: blog, fotolog, chat, msn etc. O grande problema é que as pessoas parecem não querer isso. Elas vêem o perfil no site de rede social simplesmente como um perfil, como mais uma ferramenta. E como já possuem um blog, ou um fotolog, ou uma conta de mensageiro, elas não usam essas ferramentas nos sites de redes sociais. Ou até usam, mas pouco em relação às ferramentas que já possuem. Assim que essas vantagens do FB tornam-se uma desvantagem. O Orkut já é uma boa "lista de pessoas", pra que outra? Assim, acho que o site de rede social, no Brasil, foi adotado com uma função específica e as demais ferramentas, com outra. O Orkut até tentou transformar o álbum de fotografias em um fotolog, mas a verdade é que não deu certo. Para um fotolog, as pessoas preferem as ferramentas específicas para isso. Até porque reduz o custo de simplesmente "deletar" o perfil quando sentir que é preciso, coisa que o usuário brasileiro faz bastante.

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5.Dificuldade de Gerenciamento de Múltiplas Contas - Até aqui, defendi que o FB não conseguiu dar certo no Brasil porque não ofereceu nada além do que o Orkut já oferecia e possui um interface bem mais complicada. Além desses fatores, muitos usuários (como eu) poderiam ter várias contas e, com isso, fazer uma no FB. O problema é que o custo de gerenciar tantas contas é muito alto (perde-se muito tempo) com quase nenhuma vantagem (meus amigos todos estão no Orkut). Assim que muitos brasileiros que inicialmente adotaram o FB, acabaram desistindo.

Ainda falta, no entanto, discutir porque o "ainda"do meu título. Eu vejo também três riscos importantes para o Orkut, que poderiam levar a uma migração de um sistema para outro (não em massa, bem sabido, mas acredito que poderia fazer o Orkut cair no ostracismo).

A primeira delas é a preocupação cada vez maior para com a privacidade. Essa preocupação ainda é latente no Brasil, mas em outros países é muito, muito grande. Há uma tendência de que as pessoas aqui também passem a se preocupar mais com o tipo de informação que colocam online, e com isso, passem a exigir sistemas que dêem mais opções de privacidade. É uma faca de dois gumes pois, se o Orkut oferecer mais privacidade, vai acabar com o social browsing, que é o grande uso do sistema. Com isso, deve acontecer uma queda forte no tráfego do site e uma redução do uso consistente (que eu acredito que já está ocorrendo por conta das ferramentas atualmente implantadas - fotos e scraps privados). Além disso, o FB tem muito mais opções de privacidade do que o Orkut.

A segunda delas é a mobilidade. O Orkut tem uma interface muito pesada para ser usada em celulares. O FB (e o Twitter, outro exemplo), não têm. Com o aumento do uso da Internet por ferramentas móveis, que deve acontecer nos próximos anos com muita força, pode acontecer dos hábitos de navegação modificarem-se, especialmente entre os chamados trendsetters, adolescentes e jovens, que ainda são a maioria dos internautas ativos no Orkut.

A terceira tendência é o aparecimento de ferramentas que permitam novos usos da rede, que tornem sites de redes sociais mais dinâmicos e menos poluídos (parece-me que o Twitter vai nessa direção), sem prejuízo da interação. Acho que esse tipo de novidade pode gerar novos padrões de adoção e, novamente, fazer com que o Orkut caia no ostracismo e o FB também.

Acho que atualmente, um site de rede social que não apresente nada diferente, mesmo que focado na segmentação, dificilmente tirará as pessoas do Orkut. O mais provável é que elas criem uma conta lá e mantenham a do Orkut, esperando para ver se aparece algum novo uso. Em não aparecendo, pela dificuldade de manter as múltiplas contas, a tendência é que a menos usada (provavelmente a do outro sistema) seja abandonada. O mais provável é que o Orkut vá perdendo tráfego (mas não perfis) para outras ferramentas, que com o passar do tempo, podem substituir o uso dele.

Update - A Marli, ali embaixo, nos comentários, lembrou que eu fui citada na matéria (nem me lembrava mais dessa entrevista), mas de qualquer modo, tem continuação aqui e aqui.