O "Dark Side" da Mídia Social: Colisão de Contextos no Facebook


facebook-logo.jpgOntem eu fui convidada pelo pessoal do Connected Learning para falar sobre Jovens, Democracia e Mídia Social num Webinar, onde também participaram da discussão o Henrique Antoun (UFRJ), a Adriana Amaral (Unisinos), o João Miguel Lima (do Global Voices) e o Greg Tuke. E um dos assuntos que eu levantei e que tem me incomodado bastante é um certo "lado negro" do estar no mundo digital que parece estar ganhando força na apropriação no Brasil e que eu tenho olhado com apreensão nos últimos tempos, especialmente no Facebook e esses impactos por aqui. Vou comentar hoje um dos aspectos que acho importante nessa questão, o tensionamento da interação e o que eu chamo de "colisão de contextos".

O Facebook é um "Mundo Pequeno"

O Facebook tem crescido muito no Brasil ainda (somos temporões na ferramenta, que já está descrescendo o uso nos EUA). O pessoal do Facebook parece ter por idéia central adotar tudo aquilo de positivo que as outras ferramentas constróem, trazendo pra "dentro" do site de rede social esse "positivo". E de uma certa forma, acho que o Stream (aquela parte onde você vai para ver as "novidades" da sua rede social) foi uma inovação baseada no Twitter, que foi adicionada qdo o Twitter começou a crescer e a fazer "barulho". Pois bem, só que o Twitter é uma ferramenta onde o valor está na informação e na filtragem de informação, enquanto no Facebook, esse valor está no social, em saber o que a sua rede social está fazendo/pensando/fotografando (exatamente como no Orkut). E o streaming da rede parece ser uma adoção legal nesse sentido, embora completamente diferente do valor do Twitter.

Só que outra prática do Facebook é a adição de pessoas que nem sempre efeitvamente fazem parte da sua rede social (mesma prática do Orkut). Com o crescimento da ferramenta, há cada vez mais grupos diferentes adotando-a. Com isso, grupos sociais heterogêneos vão ficando cada vez mais próximos. Imagine, por exemplo, que você adicionou um conhecido da Academia no seu Facebook. Os amigos desse seu conhecido ficam mais próximos de você. E embora eles não tenham acesso àquilo que você publica em princípio, se o seu amigo da Academia comentar alguma postagem sua, eles terão. Com isso, mais gente diferente começa a ficar mais próxima. Há uma maior clusterização (aproximação dos nós) na rede (vide imagem abaixo - clique para ver maior).  Mas e daí?

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Para quem já leu o meu novo livro, vou chover no molhado. Para quem não leu, vou comentar rapidamente o que é a idéia da Conversação em Rede: Por conta das características dos sites de rede social, como a permanência das interações, a reprodutibilidade delas, a buscabilidade e outras, a conversação entre alguns atores nessas ferramentas passa a ter características específicas. E essas características suplantam a conversação em si, tornando-a passível de migrar entre outros grupos, outras redes e tornar-se permanente, pública e atingindo outras redes. Ou seja, a conversação é maior, há mais participação e mais abrangência, o que só é possível online. Bem, o stream do Facebook é um dos grandes facilitadores desse tipo de conversação, uma vez que vai tornando visível algo que está sendo discutido entre alguns atores para outros, e mais outros e mais outros... Mas o que acontece quando estamos num mundo cada vez mais pequeno?

Os Problemas da Conversação em Rede

Quanto mais gente entra no Facebook, mais gente se conecta e mais heterófila (ou heterogêna) fica a rede. Quando mais próximas as pessoas pelo movimento de clusterização, mais ficamos visíveis uns aos outros. Só que isso também gera problemas e problemas sérios.

Colisão de Contextos e Tensionamento da  Interação
Um dos valores sociais que possibilita a interação é a confiança no ambiente social. Você diz determinadas coisas para seus amigos porque confia que o macrocontexto que você tem com eles vai fornecer os elementos necessários para que seus amigos interpretem corretamente o sentido que você quer construir. Entretanto, sites de rede social e o Facebook em especial, são muito pobres em oferecer esses elementos e oferecer formas de negociação de contextos que sejam compreensíveis por todos. Com isso, pessoas que não convivem com você diariamente podem não entender aquilo que você está dizendo ou interpretar diferentemente do que você imaginou.  Além disso, pessoas de grupos diferentes também interpretam o que foi publicado a partir de contextos diferentes. Com isso, há maior probabilidade de colisão de contextos e tensionamento da interação.

Você está mais exposto a discursos e idéias que são diferentes das suas e em contextos que você não conhece. A interação fica mais difícil e as pessoas não sabem bem quais são as "normas" que governam aquilo que está sendo dito. Com isso, muita gente se ofende com algo porque não entendeu o contexto do enunciado dentro do grupo social a que foi destinado ou mesmo, porque não recebe ou interpreta aquilo que foi publicado como o enunciador espera.

url.jpgFlames e Tensionamento da Face - Com tantos tensionamentos, discussões mais violentas e agressivas pipocam por todos os lados. Não sabemos quem são mais os receptores, uma vez que a mensagem publicada pode ser republicada, comentada e com isso, migrar para pontos distantes da rede. Assim, aquela piadinha com as mulheres que você achou engraçadíssima pode rapidamente chegar num grupo feminista. E assim nascem falem wars, discussões acaloradas, que acabam tensionando também a face de quem publicou (estou usando "face" aqui no sentido que o sociólogo Erwin Goffman deu. Digamos que é uma "imagem" que você deseja construir de si mesmo a cada conversação e que tem alguma coerência e que você deseja que os outros legitimem e aceitem). Essa "imagem" vai ficando desgastada e é difícil e frustrante o trabalho de manter a face.

Interagir é menos legal 
Com esses fatores complicadores, você fica mais receoso de interagir. Comentar é se expor demais, você prefere só "curtir" uma postagem, ao invés de se manifestar. Com menos interação, tem menos valor sendo gerado no sistema. As opções de privacidade começam a ficar mais importantes e muita gente começa o movimento inverso (deletar gente ao invés de adicionar). Com isso, há danos para o valor da ferramenta. Quanto menos interação, menos valor social. Quanto menos coisas pessoas as pessoas publicam, menos valor social. Quanto mais medo de interagir, maior a preocupação com a privacidade. E daí você começa um movimento que pode levar as pessoas a achar que a ferramenta não tem mais valor e simplesmente silenciarem e saírem. É um efeito direto de tudo o que eu comentei antes.

Vejam, tenho recebido feedbacks iniciais que apontam muito para essa colisão de contextos com a clusterização das redes sociais. Já não é mais incomum as pessoas preferirem apenas curtir coisas no Facebook do que comentar e reduzirem assim o comprometimento com publicações pessoais. Estamos explorando essas questões ainda, dentro do estudo da propagação da violência (no caso, da violência no discurso). Mas é bastante interessante que, quando formas mais básicas de capital social são comprometidas (para citar Bertolini e Bravo), como o conhecimento das normas de interação (que são diferentes a cada grupo social), outras formas maiores e mais profundas também são diretamente afetadas, como a segurança no ambiente social. Entre dizer e não dizer por medo de como você vai ser interpretado, as pessoas começam a pensar mais. Ou seja, há efeitos diretos nas redes sociais. Algo bem relevante pra se pensar.