Mídia Social e Ódio


Dislike-Social-Media3.jpgCom as recentes tragédias, mais uma vez, os sites de rede social revelaram um pouco do melhor e do pior das pessoas. E muita gente ficou chocada com a falta de sentimento e a trollagem de muita gente sobre o ocorrido: Piadinhas de todos os tipos, comentários maldosos, humor negro e por aí vai.  Já me questionaram isso várias vezes. Por que as pessoas são tão agressivas e "sem noção" na mídia social?

A gente tem uma pesquisa que é desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Letras com o meu grupo e um grupo de Análise do Discurso da profa. Aracy Ernst.  O time tem ainda a participação de vários alunos da graduação, além de mestrandos e doutorandos. O título é justamente este "Violência em Sites de Redes Sociais" e o nosso objetivo é estudar a violência discursiva (tanto objetiva quanto subjetiva para usar os termos do Zizek), mas especificamente a violência simbólica (Bourdieu tb entra na história). O foco, entretanto, não é apenas qualitativo. É inicialmente qualitativo, mas queremos ir mais adiante e estudar também a difusão da violência, ou seja, como essa violência se propaga nas redes sociais. Basicamente, queremos identificar as razões pelas quais a violência emerge com tanta, digamos, acidez nessas ferramentas, se elas amplificam ou não esses discursos e quais os efeitos disso.  A pesquisa tem o apoio da FAPERGS (Valeu PqG!).

O ponto fundamental do trabalho, entretanto, não é só entender somente a violência mais agressiva, as explosões de ódio que rolam em eventos mais fortes, como o episódio de ontem em Santa Maria, quando piadinhas de gosto duvidoso e agressões por todos os lados imediatamente apareceram. Mas é entender também o papel que a violência subjetiva, ou seja, aquela que é sistemica, que está imbuída nas pequenas agressões que a gente faz todo o dia, uns aos outros em sites de rede social como o Facebook e o Twitter. Essas, digamos, "pequenas agressões" se fazem, principalmente, através de memes e informações publicadas que são, por vezes, humoríticos mas, que, de alguma forma, ferem alguém ou algum grupo. É essa violência sistêmica, que é meio despercebida, que vai também construir o substrato para as explosões agressivas que notamos mais. Para entender assim o evidente, a gente precisa entender também o não tão evidente.

As frentes
O trabalho está sendo desenvolvido em três frentes, que já têm abaixo, alguns resultados e considerações.

  • A primeira delas é que a hiperconexão das redes, gerada pelos sites de rede social (você se conecta com mais gente que se conecta, também, com mais gente) e isso faz com que grupos mais heterogêneos, ou seja, que não dividem os mesmos valores/hábitos tenham um contato mais próximo. Naturalmente, nos grupos nossos grupos sociais, tendemos a nos conectar com pessoas que pensam/agem como nós, pessoas que têm semelhanças educacionais, filosóficas e econômicas. Quando somos obrigados a conviver diretamente com o diferente, surge o conflito.

  • Outra questão é a face e o possível anonimato. Quando agimos de forma mais grosseira com alguém, observamos imediatamente as conseqüências deste ano no Outro, seja na expressão facial, nos gestos e mesmo, na fala. Assim como também nos expomos aos demais. Essa exposição gera uma censura, uma sanção à ofensa. Há ruptura de laços sociais. A parte ofendida tende a buscar apoio no seu grupo e o ofensor, no seu respectivo e acontece um distanciamento social. Nos sites de rede social, entretanto, não se vê a face do outro, ou o grupo que observa uma ofensa. As reações da audiência não são imediatamente discerníveis. Com isso, a correção (p/ usar Goffman) é falha e demorada, o que frequentemente faz com que ocorra tarde demais. Muitas vezes a intenção não é ofender, mas uma flame (discussão inflamada) pode surgir simplesmente por conta de um mal entendido que demorou a ser corrigido. Além disso, o possível anonimato muitas vezes oferecido por essas ferramentas atua como válvula de escape para algumas agressões mais inflamadas, justamente porque o sujeito sabe que não vai sofrer sanção social se não souberem quem é ele.

  • Um terceiro elemento complicador é o humor. O humor é valorizadíssimo como mercadoria de capital social nesses sites. É "legal" ser engraçado. Entretanto, na busca desesperada por fazer humor e acumular reputação com os amigos, as pessoas esquecem dos grupos que não são tão próximos (as chamadas audiências invisíveis nos termos da danah boyd) que acabam também recebendo aquela mensagem e que podem interpretá-la em um contexto diferente e se ofender. Além disso, frequentemente o humor é ofensivo e ofensivo com relação a outros grupos. Assim, ao fazer piadinha com o rival do meu time de futebol para os meus amigos, diretamente posso ofender pessoas que nao sao tao proximas, mas que estao na minha rede (e que diretamente vão considerar a piada uma ofensa pela falta de proximidade). A frequente ofensa pelo humor, mesmo que não seja conflituosa, vai criando uma mágoa capaz de dar origem a manifestações mais agressivas.  

Todas as questões acima são perpassadas pelo contexto. A determinação do contexto da interação é cada vez mais difícil online, justamente porque as redes hiperconectadas reduzem a possibilidade dessa determinação e a mediação complica ainda mais por retirar da interação "pistas" essenciais pra conversação.

Ainda há outras questões que estamos trabalhando, como a questão da difusão dessa violência e das representações do ódio. Partes desse trabalho estão sendo avaliadas para publicação. Assim que forem, coloco os links aqui. E em breve, divulgo também alguns dados. :)