Sobre o Ódio da Mídia Social


hate.pngTenho falado com alguma frequencia sobre a questão da proliferação do discurso de ódio na mídia social. Pesquisamos o ódio e a violência (entendida aqui como violência discursiva) no MIDIARS desde 2008 e, embora não tenhamos uma resposta a respeito dos motivos pelos quais a midia social (em geral) tornou-se mais agressiva, trabalhamos com algumas hipóteses que vou dividir aqui com vocês.

A Conversação na Mídia Social
Em primeiro lugar, precisamos compreender que a mídia social é apropriada como análoga da conversação, embora, na maior parte das vezes, seja escrita. As pessoas utilizam esses canais de modo informal, de forma rápida (dificilmente alguém fica horas considerando o que vai dizer, como numa carta, a interação é rápida, é preciso pressa) e pessoal. As conversações, entretanto, detém um processo complexo de constante negociação, onde tudo aquilo que é dito é avaliado pelo feedback dos demais e realinhado conforme a recepção. Assim, por exemplo, se você está conversando no espaço offline com algum grupo, você está constantemente alinhando aquilo que você diz pelo feedback que você recebe. Imagine que você está conversando com um colega de trabalho que você não tem muita intimidade e, pelo andar do assunto, você arrisca uma pequena crítica a outro colega ("Mas o Fulano anda meio estranho..."). O colega que conversa com você responde algo não esperado ("Estranho? Não, acho que ele está bem normal."). Ao invés de continuar a crítica, em geral, você tende a suavizá-la ("Ah, achei meio quieto só")  ou refutá-la ("Deve ter sido impressão minha então"). Isso porque o objetivo da interação raramente é o conflito, em geral, é a concordância, é a manutenção/aprofundamento do laço social (Gosto muito da noção de "face" do Goffman, que foca muito bem os propósitos da interação, focados na manutenção da face - concordância- e não na ameaça a ela - discordância).. As pessoas (de modo geral) não conversam para fazer inimigos, mas ampliar suas conexões sociais. Só que isso não acontece na mídia social, onde a conversação é assíncrona, os turnos não são subsequentes e a organização é muito mais caótica.

Interação com uma tela
Na maior parte das vezes, quem "fala" na midia social, fala com uma tela. Isso significa que os turnos da conversa não são sequenciais (ou seja, você não tem feedback imediato, como na conversação "offline"), e com isso, não se consegue adequar a interação como na conversação offline. O que as pessoas fazem então é "despejar" tudo aquilo que diriam numa conversa onde há concordância, imaginando uma audiência potencial com a qual ela provavelmente já interagiu, que concorda com ela. A tela não apresenta feedback e, por isso, é difícil modular aquilo que se diz.

Audiência Invisível
Imaginemos assim, que você convive em um reduto, no trabalho, que tem uma determinada posição política. Na hora do café, todos os colegas discutem animadamente a situação do País, e todos concordam com uma posição determinada, contam piadas daqueles que pensam de modo contrário e trocam informações sobre o assunto. Quando você vai ao Facebook, por exemplo, e vai falar sobre o assunto, a tendência é que se imagine esta audiência e se tome a mesma como audiência geral e vai acabar publicando coisas com as quais você entende que há apoio do seu grupo. Costumo dizer que é como se falássamos para um teatro lotado, onde apenas vemos a primeira fila, que parece estar concordando conosco. O problema é que aquilo que se diz está sendo publicado e, portanto, será visto por outras pessoas (o resto do teatro). Assim, no mesmo exemplo, podemos imaginar colegas de outro setor ou um time gerencial que faz o mesmo que os seus colegas e você, mas que tem outra posição política oposta. Quando você publica algo contrário a isso e sem a opção de feedback (ou seja, possibilidade de suavizar a crítica), embora agrade a seu grupo vai ameaçar a face deste outro, que também é sua audiência. Talvez não tenha sido nem a intenção ofender a essas pessoas, acaba acontecendo. (Essa é uma idéia da danah boyd, no texto dos "públicos mediados".)

Confusão dos Espaços Sociais
Outro problema é a confusão dos espaços sociais. Na sua vida, cada espaço social configura um contexto específico onde determinadas coisas podem ou não ser ditas. Por exemplo, no almoço de família, o assunto "relações amorosas" pode ser proibido, mas junto aos amigos, ele é liberado. Tem coisas que podem ser ditas no bar, mas que não podem ser trazidas ao ambiente de trabalho. Na vida offline, enxergamos essas fronteiras com clareza e nos adequamos a elas. Nos canais de mídia social, ao contrário, esses espaços são confundidos. Temos família, colegas de trabalho (por vezes o chefe), amigos e etc. Agora imaginemos que você está insatisfeito com alguma ocorrência no trabalho. Você poderia queixar-se aos colegas ou amigos ou familia, mas certamente não iria ao chefe diretamente. Na midia social, entretanto, não há essa separação. Todos estão lá. Tudo é dito.

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Colapso dos Contextos
Tudo isso faz com que os contextos da conversação na midia social sejam complexos e difíceis de delimitar durante a interação. E sem o feedback, as pessoas acabam dizendo coisas que ofendem a outros o que faz com que a agressividade escale. Com a dificuldade de adequar o que é dito rapidamente, há ofensas permanentes e muita gente acaba se desligando de outras pessoas e isolando-se de outros grupos. A agressividade gera mais agressividade. (Essa também é uma idéia da danah boyd, no mesmo texto.)

Maior Visibilidade de Discursos presentes na Sociedade
Além dessas questões individuais, a publicação de falas faz com que determinados discursos presentes na sociedade sejam mais visíveis (racismo, misoginia, homofobia, violência e etc.). Assim, elementos de preconceito que são mais modulados na interação face a face aparecem mais. E há dois lados para esses elementos. Se por um lado, eles são mais desafiados pela audiência invisível na mídia social (você conta uma piada preconceituosa que sempre falou aos amigos, mas na internet as pessoas caem em cima), eles também encontram concordância (outras pessoas saem em sua defesa). Como o argumento é ad hominem, ou seja, critica-se o locutor e não o discurso ("vc é burro pq disse A"), a tendência é a polarização (como vários trabalhos sobre política têm demonstrado) e não o diálogo para desconstruir o preconceito. Deste modo, a discussão acaba polarizada, com dois grupos que se agridem.

Robôs que proliferam o Ódio
Finalmente, temos também um grande número de bots e contas falsas que insistentemente reproduzem determinados discursos agressivos (e muitos também falsos), o que também contribui para a disseminação da agressão e da desinformação e não o diálogo. 

Ou seja, as pessoas não são "mais agressivas" no espaço online. Elas simplesmente estão entrando em um ambiente onde a agressão está presente na conversação e escala. Sentindo-se agredidas, elas tendem a agredir o que só aumenta o caos. Isso gera uma insatisfação com ferramentas mais amplas (como o Facebook e o Twitter) e motiva também uma corrida a ferramentas mais "fechadas", onde se saiba exatamente quem é o grupo com quem se fala (como os grupos no Whatsapp, por exemplo). Além disso, também levam as pessoas a limitar seus posts, limitar a visibilidade e buscar separar os grupos que recebem suas mensagens. Essa separação hoje já é cotidiana no Facebook ("unfollow") e constrói redutos informativos, apagando os discursos contrários, o que também não é necessariamente bom para a sociedade. O contato com o contraditório é importante, porque faz pensar e mostra que não há um único ponto de vista sobre alguma coisa. Minha esperança na mídia social era isso, mas o que temos visto é o contrário (separação dos grupos e apagamento dos discursos). Também vemos o crescimento de grupos ativistas, que buscam espalhar determinados discursos (já falei um pouco no último post desses elementos), que buscam amplificar essas idéias, o que tem, por vezes, sido bem sucedido.