L'Enfant grita, a todo momento, "eu sou o típico filme que ganha Cannes, eu sou o típico filme que ganha Cannes, eu sou o típico filme que ganha Cannes". Tanto que levou a palma de ouro e circula pelas listas de "melhores filmes do ano" dos sites e revistas chiques, refinados e "artísticos". A maioria dos jornalistas nem deve ter assistido, e acredita no julgamento cannístico para jogá-lo nas suas listas. Mais: deve ter circulado algum release dizendo que os irmãos Dardenne (os diretores) são os melhores storytellers do cinema atual, então isso se repete em várias resenhas.
É o típico filme ganhador de Cannes. Atores inexperientes, diálogos limitados, trilha sonora não-existente, crítica social cruel mas sem exagero, trabalho de câmera e edição simples, que apenas segue a vida do personagem para, sei lá, dar algum senso de "realismo"? É aquele filme que qualquer cursinho de cinema, com orçamento limitado mas um roteirista inteligente, produziria. Será isso que Cannes procura? Filmes que qualquer cursinho de cinema poderia produzir?
(Mesma coisa: Batalla en el Cielo.)
Por que Children of Men não é tão celebrado? Porque tem atores conhecidos, orçamento generoso e distribuição de verdade (ao contrário dos ganhadores de Cannes, que você tem que caçar)? Porque é uma (inteligentíssima) alegoria sci-fi das tensões contemporâneas entre fundamentalismos, e cinema "de verdade" tem que ser "realista"? Porque tem uma perfeição técnica (planos intermináveis, como o da fantástica cena da morte no carro) e fotografia (que, pelo menos, ganhou um prêmio bom, em Veneza)
de dar inveja no Spielberg? Ou será só porque ainda não estreou nos EUA?
Esse sistema de crítica e premiações de cinema parece estar viciado numa idéia política do que é e o que não é "arte" e esquece de ver quem realmente traz avanços para o meio. É isso que deveria estar julgando. Essa visão estreita e viciada tem um nome: preconceito. O mundo sairia ganhando se Children of Men fosse mais discutido que L'Enfant.