janúar 2010 Archives

Gaiman

"Eu sou péssimo em crenças, mas sou bom em crer em alguma coisa quando necessário", ele disse. "O que, no meu caso, tende a ser quando estou escrevendo sobre essa coisa." Se não fosse um escritor, diz, gostaria de projetar religiões. "Eu teria uma lojinha, as pessoas me ligariam ou viriam até ela e diriam 'gostaria de um religião'", ele explica. "E eu diria: 'Legal, ok. Qual é sua posição quanto a culpa, e como você vai financiá-la? E você gostaria de ver o universo como uma espécie de grande órgão beneficente? Ou gostaria de algo mais complexo?' E elas diriam: 'Ah, gostaríamos de um Deus bem ligado em culpa'. E eu: 'Ok, que tal quarta-feira como dia sagrado?'"

Sinal de que o perfil é bem feito é quando o Alan Moore é só um entrevistado acessório. O perfil do Neil Gaiman na New Yorker, nesse sentido, é perfeito. Conta toda a carreira do autor, tem um distanciamento crítico que não cai no cinismo e ainda entra em assuntos que o Gaiman sempre tenta evitar, como o divórcio (sua esposa mora no mesmo terreno que ele) e o fato de ter crescido numa família cientologista (o quote acima vem depois dessa revelação; Gaiman é um judeu-cientologista não-praticante).

Tem até momento em que Gaiman, o mais cortês dos ingleses, vira a cara para um fã (em relação direta com o esquema da Cientologia). Isso sim é uma grande revelação.

Departamento de Aquisições

Inclui minha supermegacompra "black friday", onde completei minhas coleções de Invisibles e Swamp Thing. Por alguma bobeira, não peguei todas de Doom Patrol, Scalped e Y: The Last Man, então fiz mais uma black friday de janeiro. Fechando essas, agora é praticamente só comprar o que sai de novo.

Comendo Bichos / Bichos que Comem

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Gostei e não gostei de Eating Animals. Não gostei do que o Jonathan Safran Foer tentou me convencer, não gostei dos recursos de argumentação emocionais que ele usa para tentar convencer e não gostei principalmente de ter que esperar quatro anos por um livro dele e receber uma não-ficção aventurosa defensora dos bichinhos. (Gostei de uma coisa, que deixo para o final.) Mas não gostei, imagino, porque não sou público-alvo.

Em primeiro lugar, porque já sou vegetariano. Não como nenhum tipo de carne há quase 16 anos. Só não sou vegan porque não existe estrutura de serviços para vegans onde moro. Foi uma decisão de adolescente, talvez para encontrar identidade, mas que se baseia no simples fato de eu acreditar que carne não é necessária (e existe base científica para isso).

Foer diz algumas vezes que não quer convencer o leitor a virar vegetariano (ou vegan). Mas dá a entender que comer carne sustenta um círculo vicioso de crueldade com animais, experimentação genética de resultados imprevisíveis, epidemias de zoonoses (como a gripe aviária ou a gripe suína). E que, se a carne para alimentação do mundo fosse produzida da maneira correta, não haveria comida para todo mundo. Ou, no mínimo, seria muito cara - o ritmo de produção cruel das factory farms, de galinhas esmagados, perus sem estrutura óssea para caminhar e vacas esfoladas, é o que fez a carne ser uma das poucas coisas que baixou de preço nas últimas décadas.

Em segundo lugar, Eating Animals é dirigido aos norte-americanos, falando das fazendas de lá, dos hábitos de consumo de lá e da estrutura capitalista de excessos de lá. Não tenho ideia se os açougues brasileiros vendem carne produzida de forma melhor ou pior. Nem como é o resto do mundo (sei, bem por alto, que carne vermelha é bem cara na Inglaterra). Foer vê consequências planetárias na forma de produção e consumo de carne nos EUA, o que é compreensível. É o mesmo caso do aquecimento global: os excessos no uso de recursos não-renováveis são abismantes no primeiro mundo, se comparados ao que a maior parte do planeta consome – mas afetam o planeta inteiro.

O que me incomoda mesmo é a argumentação em cima do sofrimento dos animais. Foer descreve aquelas cenas de documentários do PETA, sangrentos, que circulam a internet, acontencedo diariamente nos grandes abatedouros dos EUA. De novo, não sou público-alvo: isso não me sensibiliza e não muda minha maneira de pensar. O texto enumera todos os argumentos e dados científicos para dizer que bichos sentem dor quase ou exatamente como seres humanos. Mas faltou um pouco mais para me convencer a virar defensor da causa.

Do que eu gostei: o argumento mais positivo e bem empregado que vejo no livro é um que ele já usa desde o início - a preocupação com o que você vai dar para seus filhos comerem. Do ponto de vista moral, lógico e evolutivo, é incontestável, não há pergunta mais séria que se possa fazer. E nisso Foer defende e educação vegan que está dando ao filho, com base em comprovação científica de que crianças (e até atletas) podem viver de dietas vegan.

A Natalie Portman pode ter virado ativista vegan depois de ler. Eu ainda tenho minhas dúvidas. Existe um círculo vicioso em torno da produção e consumo de carne, sim, mas ainda não tenho argumento forte para tentar convencer meus amigos a parar de comer bichos mortos.

P.S.: Só no fim do livro fui notar que o título tem duplo sentido.

2009 (2)

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Meu ano e o da Marcela começou na Plaça de Catalunya, com espumante em copos plásticos porque a polícia cercou todas as entradas e ninguém podia passar com garrafas (isso é a Europa). Chegou a meia noite, as pessoas fizeram barulhos felizes, mandamos SMS para nossas famílias dizendo que tínhamos chegado em 2009 antes e ninguém soltou fogos. Todos os ninguéns foram para casa e a gente voltou ao hotel para subir os quatro lances de escadas com degraus estreitos (isso é a Europa).

Um dia a gente resolveu que nunca ia conseguir comprar apartamento com os preços chapecolinos, vimos um legal para alugar e, na noite antes do caminhão de mudança, começamos a encaixotar as coisas, porque não sobrou tempo durante a semana (já chego na parte “tempo”). O ap novo é no centro do centro da cidade, fica a 3 quadras do trabalho da Marcela, eu só pego o carro para ir ao trabalho (que ainda é longe), e ganhei um escritório só para mim. O resto da casa é dela. Fiz a estante dos sonhos, com os autores em ordem alfabética.

De novo, comprei mais livros do que consegui ler. BEM mais. ABSURDAMENTE mais. Ainda lembro da época em que eu relia os gibis dez vezes (simplesmente porque não havia outros para comprar). Várias vezes durante o ano tentei cumprir um regime de leitura – começo três livros ao mesmo tempo, um capítulo de cada por dia -, mas sempre aparecia algo para atrapalhar. A quantidade de trabalho cresceu na mesma escala do departamento de aquisições. O lado bom é que teve muito trabalho legal.

Cheguei para a atendente de sempre na Livraria Cultura de Porto Alegre e brinquei que ela devia procurar meu nome no catálogo. “Escreveu um livro, Érico?”. “Ahm... não, ainda não.”. Mas está lá – como tradutor. Em duas graphic novels muito boas (que, felizmente, estão vendendo e sendo comentadas muito bem) e em dois livros para crianças. Milhões de agradecimentos ao André, meu editor na Companhia das Letras, que me entregou os trabalhos após anos de encheção de saco e ainda cobre toda e qualquer imperfeição que eu deixe nos textos. Graças a ele, se eu for mau tradutor, ninguém vai descobrir. Mas só vou chamar isso de carreira quando recusar um trabalho.

Fiz orientação de carreira. Mais para organizar meus horários. Dicas valiosas, que ainda não consegui colocar totalmente em prática. Tive algumas crises existenciais relacionadas a trabalho, porque de um lado (tudo que faço em casa) eu gosto muito do que faço e recebo massagens no ego constantes (descoberta massagística do ano: o Twitter) e do outro (tudo que tenho que sair de casa para fazer) gosto cada vez menos mas tenho o salário indispensável. Aliás, de tanto ficar em casa estou meio agorafóbico. Ou meio Larry David, não sei.

(Twitter: você pergunta uma coisa para o Neil Gaiman e ele te responde. Duas vezes.)

Mesmo tendo conhecido (rapidamente) o Primeiro Mundo e entendido, por oposição, o que é “jeitinho”, ando meio descrente na humanidade. Já mencionei no post abaixo o livro de terror, que ainda me dá calafrios. Tive uns probleminhas com amigos no final do ano que elevaram essa descrença, fora outras leituras, documentários, conversas etc. Estou fora de sincronia com todo mundo, mais do que já era, preocupado por finalmente entender o que quer dizer “sociedade inimiga de si mesmo“. Estado de preocupação atual: o problema do mundo é ter gente.

Vou assumir um emprego que encaro como teste definitivo da possibilidade de viver em sociedade. Medo de chegar à insanidade antes de completar seis meses. Não, três. Este ano foram nove disciplinas de novo. Em pelo menos três me senti inútil. O ambiente não tem ajudado em nada. Mas assim mesmo, por pressão, vou pra esse cargo aqui. É o teste.

Mais gordo do que nunca, acho. Do tamanho do David Brent, por aí.

Voltei a fazer francês. Fui na Shakespeare & Co. e deixei um livro, ao invés de comprar um (tá, também comprei um). Fui no Festival Internacional de Quadrinhos e descobri mais gente que sabe o que é o Omelete do que eu imaginava que existia (algumas inclusive gostam, e sabem me diferenciar do Érico Borgo). Publiquei um texto num gibi, publiquei um texto ficcional, publiquei um texto numa revista e escrevi um texto bem longo, revisado dezessete vezes após terminar, para outra revista sobre o qual estou me segurando para não contar para todo mundo (e que a tal revista talvez tire da geladeira em breve).

Queria ter ficado em Amsterdam. Podia ter ficado em Paris. Londres eu queria visitar mais vezes. Bruxelas é sensacional, Munique mais. Mas Amsterdam – não fumo nem cheiro nada, não é isso – tinha alguma coisa dizendo “more aqui”. Tem também os vários sinais que me apontam para a Islândia (um teste online que me mandou morar lá, notícias do país que caem na minha frente, traduzir gibis que se passam lá, a paixão pelo Sigur Rós), que ainda não conheci. O objetivo, porém, é passar o fim de 2010 em outro lugar, que não vou contar aqui para não parecer promessa.

Resumindo: olá, crise dos trinta.

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