Brian Wood é um escritor de duas vozes. A primeira é a que produz manifestos hacker-punks contra a guerra e o Bush, como Channel Zero e DMZ. A segunda é de uma espécie de Nick Hornby dos quadrinhos, de pequenos contos intimistas que soam como canções pop. É esta voz que eu prefiro.
Já tinha lido Demo inteira online, mas comprei a coletânea (ou melhor: foi por isso que comprei a coletânea) e finalmente peguei para ler. Foi tudo de uma sentada. E eu não lembrava de ter lido mais da metade.
Seres humanos em versão demo. Aquele pedacinho da sua vida entre a adolescência e a hora de tomar Decisões, que parece tão longo e em que o medo de screw up é bem grande. A série tem doze histórias sobre "demos", com um toquezinho de super-poderes. Basicamente porque foi uma proposta rejeitada para uma série dos X-Men. Sério.
Suicídio, brigar com a namorada, a hora de largar o emprego de merda e fazer algo da vida, seguir o que seus pais querem ou tomar seu próprio rumo, saber escolher as amizades. Cada história de Demo tem um jeito muito inteligente de tocar nesses temas.
E, no final, ainda tem "Mon Dernier Jour Avec Toi", uma das melhores HQs que vou ler nessa vida.
O problema, o grande problema, é a arte. Becky Cloonan, a ilustradora, tenta adaptar seu estilo a cada história, mas gira em torno de uns rabiscos mangá soltos demais. Brian Wood é um gênio de design e ritmo, mas não consegue evitar abortos como a capa da coletânea, acima.
Mas os roteiros salvam o pacote. E o que importa é que Demo serviu como uma laboratório para Local, nova série de Wood - agora com um desenhista de verdade, Ryan Kelly. Local segue o mesmo estilo, mas o foco é entender como o lugar onde você mora afeta quem você é. Historinhas hornbyanas sobre gente tentando achar seu lugar, ou descobrindo que seu lugar é o que você fizer dele. Das doze edições, já saíram quatro. A terceira - sobre uma banda de rock desmantelada que decide voltar às raízes, à cidade onde nasceu - já dá pra chamar de um dos melhores gibis do ano. E Wood, embora continue insistindo num espírito ativista meio chato, cada vez cresce mais como roteirista.