Obama

Publiquei esse texto em abril, num caderno local do Diário Catarinense. Obama ainda era candidato a candidato.


Obama e a política do entretenimento

Na década de 90, o artista urbano Shepard Fairey colocou fotos do astro de luta livre André The Giant, de rosto gordo e olhar ameaçador, em cartazes de rua e adesivos, com uma única palavra no rodapé: “Obey” (“Obedeça”).

Espalhados pelos muros e postes, o cartaz assustava e intrigava. “Por que um gordo de cara feia me daria ordens?” Era a primeira pergunta que Fairey queria provocar. A segunda era a seguinte: se o marketing político, os outdoors, as propagandas de TV, a publicidade em geral, estão me dizendo “obedeça”, por que estou questionando este cartaz e nunca questiono os outros?

Fairey provocou uma espécie de campanha publicitária global, de tons artísticos e investimento zero, pela tomada de consciência, a partir de uma imagem forte o suficiente para atrair críticos ao consumismo e à sociedade do espetáculo.

Dez anos depois, onde está Shepard Fairey? Ilustrando cartazes da campanha presidencial de Barack Obama. Para quem gosta do trabalho de Fairey, a reflexão esperada é a seguinte: “Nunca um político falou comigo dessa forma, nos meus termos, na minha cultura, nas minhas imagens. Será que finalmente este vale a pena?”

Discursos – Desde 2004, quando começou a despontar no Partido Democrata e nos jornais, a discussão era piada: como um cara de sobrenomes Hussein (como Saddam) e Obama (muito próximo do prenome de Bin Laden) esperava concorrer à presidência dos EUA? Um mulato, ainda por cima, em um país que só elege brancos de elite.

De dezembro até agora, a campanha deu a resposta. Obama convence. Construindo a imagem de exímio escritor – ele tem dois livros de memórias publicados – e servindo-se de bons roteiristas de discursos, Obama vende a idéia de um país arrogante que precisa mudar.

Mas de bons discursos a política norte-americana sempre esteve cheia, e os outros candidatos também têm bons redatores. O que diferencia a campanha do político de Illinois é outra característica: o fator entretenimento.

Cultura das imagens – O pesquisador Henry Jenkins, no livro Convergence Culture, aponta uma tendência do novo milênio: eleitores informam-se mais sobre política a partir de programas de comédia do que através das notícias. A sátira política, na brincadeira, vira uma espécie de jornalismo qualificado, ao mesmo tempo informativo e divertido.

Desde o início das primárias, Obama e sua oponente Hillary Clinton já apareceram no humorístico Saturday Night Live. Eles surgem no meio de esquetes, para surpresa da audiência, são aplaudidos e soltam uma piadinha. É como se Lula contracenasse com seu sósia no Casseta & Planeta Urgente.

Jenkins vê estes casos como uma adaptação necessária. Em uma sociedade voltada para o entretenimento, talvez este seja o caminho para restabelecer o interesse popular na política, assunto “tedioso” para a maioria - com o agravante de os EUA defender o voto não-obrigatório e, por conseguinte, metade da população votante não comparecer às urnas.

Analistas políticos dizem que Obama só tem chances se convencer as minorias latina e negra a sair de casa no dia das eleições. O jeito é entusiasmar esta faixa social com show, comédia, cartazes coloridos, imagens de consumo e descarte rápido próprias de uma cultura do entretenimento.

Participação digital – Jenkins também encaixa a campanha de Obama no que chama de “cultura participatória”. É cada vez mais fácil para amadores produzirem e disseminarem textos, vídeos, músicas, fotos e outras criações. A campanha de Obama está antenada a estas novas realidades. Ele não é o primeiro a fazer isso, mas pode ser o primeiro a ter sucesso na jogada.
O website da campanha tem um espaço com o sugestivo endereço my.barackobama.com, onde apoiadores podem registrar-se para relacionar-se com correligionários próximos, organizar seus próprios eventos de campanha e até manter um blog. Uma espécie de Orkut ou MySpace particular a uma campanha política.

Somam-se ao site os vídeos no YouTube, os banners para websites, os fansites, os cartazes – tudo criado por milhares de voluntários que querem disseminar sua vontade política. O comitê oficial de campanha estimula esta participação, mas não se mete na divulgação “alternativa” além da publicização das melhores criações e de olhar para o lado quando elas podem gerar controvérsia.

West Wing – Barack Obama está à frente da campanha eleitoral mais ligada ao mundo do entretenimento na história da política mundial. As pesquisas apontam sua vitória sobre Hillary nas primárias, e sobre o republicano John McCain na decisão final. Se estes resultados se concretizarem, teremos o atestado da imbricação obrigatória entre política e espetáculo.

O jornal inglês The Guardian apurou as semelhanças entre a figura de Obama e a de Matt Santos, candidato presidencial fictício que estrelou a série de TV The West Wing, sobre os bastidores da Casa Branca. O candidato real e o ficcional são jovens democratas, vêm de minorias e surgem do nada para conquistar o cenário político com discursos de impacto. O Guardian descobriu que não era coincidência: os roteiristas que criaram Santos inspiraram-se em Obama, quando este ainda nem era senador, mas demonstrava um futuro promissor no Partido Democrata.

Santos, o sósia ficcional de Obama, ganhou as eleições no capítulo final de West Wing, exibido em 2006. Profecia ou não, o fato é inegável: nas telas do mundo do entretenimento, Obama já venceu.

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This page contains a single entry by Érico Assis published on nóvember 5, 2008 2:48 EH.

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