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Slavoj Zizek é o Joselito dos filósofos.

Ou melhor, ele meio que justifica o Joselito. Estou lendo Bem-Vindo ao Deserto do Real!, uma coletânea de ensaios onde Zizek defende que tolerância intercultural, tolerância religiosa, ser politicamente correto e outras posições "neutras" são, bem, ficar em cima do muro demais.

Zizek fala da tolerância ao islamismo, por exemplo. Vamos reconhecer que é uma crença religiosa legítima, milenar, respeitável, tão importante quanto a nossa, ok? E também tolerar sua aversão às transformações modernas, o tratamento injusto de mulheres e crianças e um sistema de valores que vai contra qualquer definição de humano?

Veja bem, não é uma justificativa para guerras, agressões ou violência (aliás, é outra mentalidade desnecessária pensar que você deve responder a tudo com violência). A tolerância é que deve ser vista como posição confortável, como falta de ação, quando nossa oposição, com bom senso, deveria ser sentida.

Lembro de uma entrevista com Zizek (um doce para quem achar o link) onde ele colocava que o ponto excelente a que pode chegar um relacionamento (amoroso ou de amizade) é aquele em que você tem liberdade para destratar o outro. Como encontrar um amigo e dizer "e aí, seu filho da puta!" ou ter uma discussão racional com a esposa. É o mesmo ponto que ele faz no livro: podemos e devemos ter posições, e não viver num mundinho de faz-de-conta onde o que vale é uma "estabilidade de diferenças" que, além de não ser real, não chega a ser possibilidade.

No fundo, Zizek está se opondo ao sistema onde alguns privilegiados, e mesmo muitos desprivilegiados, vivem na ilusão de um mundo dócil, plástico, simulado. É o tema do primeiro ensaio, a "paixão pelo real" - ou seja, a recusa a aceitar nosso sistema irreal, manifestado em masoquismos, paranóias e outros fenômenos psíquicos. Discípulo de Lacan, toda sua fundamentação tem bases psiquiátricas.

Na sua forma Joselito de ser, o filósofo esloveno ataca dez autores diferentes por página, e manifesta-se com um ódio apaixonado contra nosso mundo ilusório (não é à toa que ele adora citar e comentar Matrix). E acaba meio que justificando o Joselito: manter suas posições, manter sua cultura, manter sua crença, é o que nos prende à realidade.

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Tudo bem, mas ser politicamente correto é uma forma de extremismo, não há nada de neutro nisso. Não há posições neutras, sempre tudo é excesso, apenas de coisas diferentes. Pra mim Zizek só está lutando para dizer "ei, eu sou um indivíduo", com medo de ser esquecido no meio da massa.

E isso é um posicionamento artificial, também. Tecnicamente, qualquer coisa que você faça de forma consciente é artificial.

Algo assim. Quero ler esse livro aí :)

E veja bem, só fiz esse comentário para me posicionar e não ser artificial. Mesmo que seja exatamente para contestá-lo. Paradoxal, não?

O limite aqui, ou o limite que Zizek adota, é a formação psíquica do indivíduo, com base em Lacan. E ele puxa essa discussão dos posicionamentos "neutros" como algo artifical (atenção nas aspas), por um lado, para justificar fenômenos como o impacto do 11 de setembro (uma "intromissão do real"), a mania por conspirações e o surgimento dos snuff movies. Como se a crença em um mundo onde todo mundo se respeita na verdade fosse, psiquicamente, uma crença falível, facilmente descascada, que cria essa necessidade por buscar coisas mais "reais": o mundo cão.

Mas essa, claro, é só a minha interpretação. :)

Acho que esse cara vai, daqui a alguns anos, ser realmente um porta-voz da pseudo-juventude de hoje. Cada vez mais vejo mais gente com posição semelhante. É estranho.

Ricardo: se mal-interpretado, é possível que sim. Mas acho a juventude de hoje muito apática pra isso.

Achei o link daquela entrevista que eu menciono: http://www.spiked-online.com/articles/00000002D2C4.htm
É muito boa.

Hmm... Não entendi a analogia com Joselito. Isso naum é uma pessoa sem noção?

Sim, o Joselito é sem noção. Mas isso só quer dizer que ele age dentro da sua própria referência de cultura.

Ok, é forçar a barra dizer que o Zizek justifica o Joselito. Mas eu tenho licença poética. :)

Onde eu retiro minha licença poética? Tem que fazer teste? Psicotécnico?

isso se chama pacifismo - disse ela, inocentemente.

Acho que Zizek é um cara que esta sempre desafiando sempre, a si e a todos. esta é a base de muito sucesso: desafiar. sem medo de errar nem de acertar! É fazer!1

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This page contains a single entry by Érico Assis published on janúar 20, 2004 11:30 FH.

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